Rhye de casa nova

Uma conversa com Mike Milosh sobre o álbum “Home”, ler opiniões na internet, emoções X frequências sonoras e o sol da Califórnia

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Fotos: Genvieve Medow / Neil Krug

Danças tímidas e sorrisos largos acompanham Rhye nas audições feitas durante a quarentena. Esteja você sozinho, ou “sozinho com alguém” em isolamento, o intimismo que Mike Milosh trabalha em sua obra parece ter sido feito para os meses passados em casa. E isso já era sentido muito antes dele lançar seu quarto álbum, Home, em janeiro.

Seu desenvolvimento estético, em canções de vocais sussurrados e todos os instrumentos encaixados no mesmo nível de satisfação de derrubar várias linhas ao mesmo tempo no Tetris, sempre nos proporcionou músicas que falam seus versos confessionais perto do ouvido. Ouvir Rhye é entender o prazer da intimidade em forma de música.

Em uma ligação por Zoom, Milosh contou ao Monkeybuzz sobre suas intenções como compositor e produtor. Do passar do tempo à possibilidade de trabalhar com outros músicos, a conversa tratou também de sua postura frente aos comentários que recebe e, é claro, a produção de seu recente Home.

Quando ouço Home, me parece que Rhye tem conseguido desenvolver cada vez mais uma leveza especial no som ao longo dos anos. Você acha que isso é um reflexo de sua maturidade como músico e produtor?

Hmm acho que não é maturidade, porque me considero imaturo (risos). Acho que você passa por fases diferentes na vida e a música representa isso. Fiz o primeiro álbum em uma época em que eu decidi sair de Berlim e morar em Los Angeles. A música que eu fazia antes era super dark, porque Berlim tem uma vibe assim, e a luz do sol da Califórnia influenciou muito minha música. Aí, tive várias dificuldades na vida, por isso Blood (2018) tem tanta dor nas entrelinhas, refletindo alguns elementos da minha vida ali. Depois, veio uma longa turnê e eu estava exausto quando fui produzir Spirit (2019). O disco foi a maneira que encontrei para o meu sistema nervoso se acalmar (risos), foi uma reação à turnê. E, agora, Home é uma reação ao sentimento de querer fazer shows novamente. Há algo em mim que canaliza tudo isso em forma de música.

Interessante você notar a luz do sol, porque eu tenho a impressão de que sua discografia vai da noite, em Woman (2013), até o amanhecer, em Home.

Hmmm eu gosto disso. É estranho você dizer isso, porque todas as fotos que fiz para a produção do álbum foram feitas às 5h30 da manhã. Eu acordava bem cedo para registrar o nascer do sol. Queria capturar as cores que apareciam no céu naquela hora, o que virou a paleta de cores de todo o disco.

Imagino que essa próxima pergunta seja uma que você tem respondido bastante por esses dias, mas vamos lá: Você lançou Home em uma época na qual nós tivemos que desenvolver uma nova relação com nossas casas. Que você acha disso? Sei que foi uma coincidência, porque você gravou o álbum em 2019, certo?

Eu comecei antes da pandemia, mas gravei todos os vocais, cordas e muito dos teclados em 2020. Comecei várias músicas em 2019, mas concluí o álbum durante a pandemia. Eu tinha o nome Home desde antes, porque eu comprei uma casa e construí um estúdio nela, era a primeira vez que eu estava feliz por ter um lugar só meu – sempre curti ser nômade, sempre em viagens e turnês. Então, minha intenção sempre foi chamá-lo de Home. E eu sou sempre muito ligado à ideia da “intenção” por trás das obras. Por isso eu quase nunca gravo covers, porque não sei qual era a intenção do compositor. E como intenção é importante para mim, eu não queria mudar o título só por causa da pandemia e do que Home pode significar nesse tempo.

Já faz quase oito anos que Woman saiu, e eu gostaria de ouvir como essa informação chega até você. Parece mesmo que já faz quase uma década? Ou você é dos que percebem o tempo passar mais rápido do que deveria?

De certa forma, a vida parece se mover tão rápido – “como assim já estamos em 2021?”, sabe? Eu comecei a escrever Woman em 2011, então já faz 10 anos que compus aquelas músicas, e parece ter passado muito rápido. Mas eu vejo fotos daquela época e penso “sim, já faz tempo”. Eu fiz quase 800 shows nesse período, produzi vários discos, tive muitas experiências, troquei de selo, morei em quatro casas diferentes… Muita coisa aconteceu, então faz sentido já ter se passado uma década, mas é muito louco como o tempo voa. Você precisa tratar cada coisa como se ela fosse muito preciosa, você tem que desfrutar de tudo muito bem, porque tudo passa.

Por falar em tantas coisas acontecendo, a melhor qualidade que Rhye apresenta, ao meu ver, é um equilíbrio muito agradável em meio a uma variedade tão grande de timbres em cada faixa. Como você enxerga essa qualidade? A questão do equilíbrio, por exemplo, é um conceito que está na sua cabeça no estúdio?

Com certeza. Sempre me atenho a duas questões. Uma é emocional – o que [a música] me faz sentir, como equilibrar os sentimentos –, e a outra é a gama de frequência sonora, o que cabe onde, sabe? A complexidade é grande, sempre tenho muitos instrumentos em cada música, e cada um tem um papel muito específico ali. Os sons graves não podem competir com a bateria, o intervalo médio traz seus elementos, como as cordas, e os vocais estão em outro lugar, aí tem os sopros… Para mim, esse equilíbrio é parte da beleza, do preciosismo do meu trabalho. Eu adoro essa “nerdice” de ter que medir e descobrir onde está esse equilíbrio, adoro passar o tempo pensando nas frequências sonoras e todos esses detalhes. Tudo isso é muito importante para mim.

“O disco é uma reação ao sentimento de querer fazer shows novamente. Há algo em mim que canaliza tudo isso em forma de música”

Quanto de Rhye é Mike Milosh hoje e quanto é um trabalho colaborativo?

Rhye sou eu, mas adoro a ideia de não estar sozinho, então tem muita gente envolvida nos processos. Eu tenho a visão e não deixo ninguém influenciar minhas letras, por exemplo, mas gosto de levar as composições para outros que têm o que acrescentar. Acho que a beleza está aí: poder trazer as pessoas para dentro da minha criação.

E quanto a ser convidado para colaborar com outros artistas? Você já gravou com SG Lewis e Bonobo, por exemplo. O que você gosta nessas oportunidades?

O trabalho com esses dois foi muito legal, foi até fácil. Minha visão para essas colaborações sempre é a de tentar não ser muito controlador, tento dizer: “Essa música é sua, então o que você quer de mim?”. Eu quero que eles fiquem felizes, que eles fiquem orgulhosos do que nós fizermos juntos. Mas eu tento entregar o que eles pedem e não ficar em cima dando muitos pitacos. Eu odiaria que fizessem isso comigo.

“Muitas pessoas me mandaram fotos dos filhos que nasceram depois que os pais ficaram ‘íntimos’ ouvindo Rhye. É o melhor elogio que já recebi. Minha música ajudou as pessoas a criarem uma família”

Como dissemos, já faz um tempo que Rhye está na ativa e eu nem consigo imaginar a quantidade de comentários que você ouve sobre seu trabalho, seja da crítica, dos fãs ou mesmo desses músicos com quem colabora. Esses comentários te ajudam a entender melhor o seu trabalho?

Hm. Não sei. Eu tenho uma visão estranha sobre ficar lendo comentários ou levá-los tanto em consideração. Acho que se eu quiser colocar peso nas críticas positivas, acabo também dando muita importância para as negativas. E essa dinâmica pode acabar me afetando de uma maneira ruim, sabe? O que eu tento fazer é ouvir só alguns dos comentários, mas sempre pensando “eu vou fazer o que quero fazer independentemente de qualquer coisa”. E acho que o que acontece com sua música ao longo do tempo é que você desenvolve a maturidade de ter confiança no seu estilo e em si mesmo. Acho que eu quero é ir mais a fundo no que eu já faço sem me preocupar tanto. Se eu estou cantando para uma plateia e eles não estão sentindo nada, eu reparo imediatamente e isso é terrível. Se eu não faço com que as pessoas sintam nada, não dancem, não chorem… então eu preciso entender o que ajustar, eu tenho que tentar entender o que estou fazendo de errado. Acho que a resposta mais importante ao meu trabalho é o público nos shows. E eu tento trazer essa energia para dentro do estúdio.

E para minha última pergunta, eu escrevi algumas coisas: “Música de fazer cafuné”, “Nostalgia sexy”,  Relaxar na quarentena”, “Cura para ressaca”. Esses são alguns títulos de playlists com suas músicas no Spotify. O que você acha da maneira com que as pessoas “usam” suas músicas?

(Risos) Eu acho isso lindo. Muitas pessoas me mandaram fotos dos filhos que nasceram depois que os pais ficaram “íntimos” ouvindo Rhye. É o melhor elogio que já recebi. Minha música ajudou as pessoas a criarem uma família. Sobre ser cura para ressaca, essa eu acho só engraçada mesmo (risos). O que eu acho mais válido é quando as pessoas acham minhas músicas íntimas, em um sentido romântico. Mesmo quando chamam de “psicodélica”, “introspectiva” ou que a música ajudou em um tempo difícil – o que eu ouvi bastante nesse último ano. Para mim isso não é apenas um elogio, mas uma informação importante. Porque se eu posso fazer música que ajude alguém em suas dificuldades, essa é a maior função que uma música pode ter. Não tem “ego” nenhum nisso, ao contrário de eu ouvir alguém acha que o que eu faço é cool. Se a música traz algum tipo de cura, isso é muito mais relevante.

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ARTISTA: Rhye

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.