Rose Gray e a era do wonky pop

A artista britânica relembra a exploração sonora até “Louder, Please”, comenta as diversas recepções ao disco e analisa o momento “esquisitão” no pop

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Fotos: Yana Van Nuffel

Se lançassem hoje aquele Spotify Wrapped com os discos mais escutados do ano, tenho certeza que Louder, Please estaria no topo da minha lista. Primeiro, porque tive que escutá-lo à exaustão para escrever a resenha – ah, mas isso não conta!”, comentou Rose Gray quando comecei a enumerar os motivos –, mas também porque ele virou minha trilha sonora na academia. “Acho estranho pensar que as pessoas treinam escutando o álbum”, respondeu ela ao meu relato. “Eu não faria isso, mas talvez porque tenha passado tempo demais ouvindo o disco durante a produção. Sei lá, talvez eu que esteja dando bobeira por não fazer isso também [risos].

Louder, Please foi desenvolvido em paralelo à carreira de compositora de Rose, que reuniu muita experimentação para criar uma obra pop que dialoga tanto com o universo contemporâneo de cantoras como Charli xcx, quanto com a “linhagem” de nomes como Robyn – ela sorriu quando contei que fiz essa comparação na resenha, e disse ser muito fã da sueca.

A artista britânica falou também da continuação da obra e revelou mais detalhes sobre a liberdade com que criou o disco, assim como a recepção calorosa que ele tem recebido – sendo chamado de “AOTY” (“album of the year”) nas redes sociais. “Recebo uns tuítes muito loucos, alguns falando que as pessoas estão transando ao som do álbum”. Ela conta e ri. “Isso eu nunca imaginei que aconteceria”.

Você começou a lançar músicas autorais em 2019, e Louder, Please saiu só em 2025. Como foi esse período até o lançamento do álbum?

Foi um tempo de muita exploração sonora, muitos ensaios, muitas sessões de estúdio, muitas composições. Lanço músicas desde 2019, mas trabalho com música já há uma década. Escutei muitos “nãos”. Basicamente, até o álbum sair, acho que a maior parte das coisas na minha vida recebeu “não” [risos]. Estou sendo sincera, essa é a história da minha carreira. “Ah, você pode abrir o show dessa pessoa?”, aí não rola. “Fulano quer que você cante em uma música”, e nada acontece. “Gravadora quer te contratar”, agora não quer mais. Desde que o disco saiu, recebo muito mais “sim”. Ainda tenho um ou outro “não”, mas recebo muito mais “sim”, o que é muito legal.

Achei interessante você falar em “exploração”, porque eu anotei aqui de te perguntar sobre “experimentação”. Mas a palavra que você usou é mais legal, acho que comunica mais liberdade.

Sim, explorar musicalmente é libertador. Tenho muita sorte de ter os amigos que tenho e por todas as chances de explorações que fiz nos últimos 10 anos. Olho para a minha vida hoje e não tenho tempo para nada. Tive a oportunidade de passar verões inteiros só indo para festas e festivais, viajando e compondo. Havia muita liberdade. Ninguém poderia dizer o que ia acontecer com minha música, eu não tinha expectativas de nada, nenhuma pressão.

Sim, é evidente que explorar e experimentar são conceitos chave na maneira que você trabalha. Mas por quê? Por que isso é importante para você?

Há algo muito particular em mim como pessoa, que é uma busca constante por algo… Não quero dizer “por algo a mais”, porque pode ter uma conotação negativa – eu sou muito contente com algumas coisas, não tento escapar do presente. Mas eu queria sim mais para minha música e para minha vida. Quando viajo e vou nadar no oceano, se eu vejo uma gruta à distância, vou querer nadar até ela. Aí, eu subo nas pedras e não quero mais ver só a gruta, quero saber o que tem atrás dela. Será que tem algo legal para ver lá que ainda não estou vendo? Será que eu vou para aquela festa, mas daí pode aparecer uma festa mais legal para ir depois? É assim que eu sou, e isso pode ser difícil e até mesmo destrutivo para quem está ao meu redor. Porque meus amigos e meu parceiro me perguntam “por que você não está feliz com o que está rolando agora? Pra que ir para outra festa?”. Mas isso rola também com minha música. Quero mais sintetizadores, quero mais cordas… Cansa muito ser assim [risos].

“Tem um senso de humor na minha música, mas eu também já experimentei muito com o pop e o dance e, por isso, entendo muito bem de onde vêm as minhas escolhas. Passo muito tempo nessa obsessão”

Se você quer sempre mais, o que mais você quer fazer para o próximo lançamento?

Ah, o céu é o limite [risos]. Para o próximo disco, eu brinco que ele é “irmã” de Louder, Please. Não sei se vai sair como uma versão deluxe, ou como um disco de remixes, então chamo de “irmã”. Na minha cabeça, é algo novo, outra criação. Ele tem muitas músicas de amor que ainda são um retrato meu, mas acho que de uma era diferente [das de Louder, Please].  Ainda assim, também é sonoramente múltiplo. Tive que pensar muito nisso em relação a Louder, Please, porque eu mostrava para uns amigos que curtiam as músicas, mas comentavam “nossa, elas são todas tão diferentes”, e eu escutava isso como uma crítica negativa. Com o tempo, passei a entender que isso é bacana. Por isso, o próximo disco também será assim.

Essa multiplicidade da sua música é muito interessante. Sinto que você trabalha essa característica com uma leveza, um bom humor, mas também uma profunda reverência pelo pop.

Entendo, tem um senso de humor na minha música, mas eu também já experimentei muito com o pop e o dance e, por isso, entendo muito bem de onde vêm as minhas escolhas. Passo muito tempo nessa obsessão.

Acho interessante notar que, no pop de hoje em dia, as mulheres parecem ser as que mais experimentam – fka TWIGS, Audrey Nuna, Saya Gray, até mesmo WILLOW e Billie Eilish, nem preciso citar Charli xcx.

Sim, Charli. Não posso chamá-la de mother, então ela é minha sister [risos]. Chappel Roan também experimenta muito.

Pois é. Como você observa esse movimento?

Há algo acontecendo na maneira como a música é digerida que talvez aquele lance que diz “siga as regras para fazer um som simples que todos vão compreender e curtir” não funciona mais. Eu chamo de wonky pop (algo como “pop esquisito”, ou “pop torto”), as pessoas querem um som mais estranho. Acho que querem, eu quero. Lembra quando Robyn lançou aquela série de singles mais esquisitões? Eles eram perfeitos, ainda que também estranhos, estavam à frente de seu tempo.

“Há algo acontecendo na maneira como a música é digerida. Aquele lance de ‘siga as regras para fazer um som simples que todos vão compreender e curtir’ talvez não funcione mais. Chamo de wonky pop. As pessoas querem um som mais estranho. Acho que querem. Eu quero. Lembra quando Robyn lançou aquela série de singles mais esquisitões? Eram perfeitos, ainda que estranhos. Estavam à frente do tempo”

Quando você estava produzindo Louder, Please, como imaginava que as pessoas receberiam a obra?

Sinceramente, eu nem sabia se muita gente escutaria o disco. Gostava muito dele, mas não sabia dizer como as pessoas reagiriam. Mas foi um processo interessante poder colocar músicas para os amigos escutarem e ver suas reações. E gosto quando me mandam vídeos das músicas tocando em festas e todos estão dançando. Mas tem coisa que não dá para prever. Sei que algumas músicas são mais baladeiras, então elas serão para a balada. Outras são mais emotivas, como “Everything Changes”, e imagino que algumas lágrimas caiam com essas – alguma moça de 19 anos acabou de ter o coração partido e agora canta [o refrão] “everything changes / but I won’t”. Enquanto produzia o disco, tinha meu apego pelas músicas, minha própria narrativa daquilo que escrevi. E a forma como as pessoas interpretam… Sei lá, desde que ele foi lançado, não é mais meu, é de todo mundo. Escutei inteiro no dia que ele saiu, chorei um pouco, mas não escutei mais. Antes, eu estava obcecada, colocava para tocar o tempo todo onde eu estivesse: Em casa, no Uber a caminho do estúdio ou da balada, em viagens… Acho que ele faz uma boa companhia.

Sim, e faz sentido as pessoas transarem escutando ele.

Eu também acho, só não achava que elas iriam me contar [risos].

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ARTISTA: Rose Gray

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.