Silva Canta Marisa: Agradável

Cantor e compositor capixaba faz disco interessante de releituras

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Depois de um bom tempo escrevendo sobre música e usando cotações aqui e ali, me dei conta de que “agradável” nunca foi um termo selecionado para dar nome a uma nota. Talvez porque as pessoas prefiram despertar mais impressões que aquelas embutidas em seu significado, dando a ideia de que está um pouco acima do proverbial “não fede, nem cheira” ou “não é carne, nem peixe”. Ainda assim, é melhor que corresponder a algo como “ruim”, “horrível” ou palavras do gênero. Esta divagação pouco útil me assaltou enquanto eu ouvia Silva Canta Marisa, disco que o cantor e compositor capixaba gravou em tributo à obra da cantora carioca Marisa Monte. Ao fim de várias audições, daquelas em que a gente (críticos, jornalistas etc), que procura levar a sério o ofício de escrever sobre arte, empreende com toda a atenção possível, não consegui encontrar melhor termo para definir o álbum do que agradável. Vamos entender.

Silva tem três álbuns de inéditas gravados desde 2012, dentre os quais, Claridão, seu primeiro registro, ainda soa como o mais interessante. Não que Júpiter (2015) e Vista Pro Mar (2014) sejam álbuns fracos, ambos têm sua magia própria, mas mostram uma mudança gradativa de paradigma na obra do artista. Silva deixa, aos poucos, de ser um artista “alternativo” para tornar-se um integrante do mainstream. É um processo semelhante ao que Tiago Iorc vem empreendendo ao longo dos últimos anos, que culminou com seu mais recente trabalho, o bom Troco Likes. Mais que Iorc, Silva ainda teve sua trajetória acentuada por proximidade estética com compositores consagrados como Guilherme Arantes, talvez sua grande influência artística, e fazendo versões de canções como Um Girassol Da Cor De Seu Cabelo, de Lô Borges, outro que o inspirou bastante.

A grande vantagem de Silva é que tal movimento surge com naturalidade em sua obra. O repertório de Marisa Monte não lhe é desconhecido, uma vez que foi tema de temporada especial de apresentações que ele realizou em 2015. Marisa, por sua vez, nunca teve sua obra facilmente catalogável. Começou como uma cantora/intérprete forjada para ser sucesso de público, mas, em seu segundo álbum, Mais (1991), enveredou por um caminho autoral, que a aproximou de gente como Gal Costa e Novos Baianos, além de encontrar pontos de intersecção com Nando Reis, Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e outros compositores que assumiram uma condição de renovadores da MPB mais tradicional ao longo dos anos 1990. Marisa levou esta missão sem problemas e a incorporou totalmente em sua trajetória, unindo tradição e modernidade com elegância. Fez discos sensacionais, como Verde Anil Amarelo, Cor De Rosa E Carvão (1994), em que mistura influências variadas, passando de Jorge Ben e Paulino da Viola a Lou Reed e Laurie Anderson, dando uma boa atualizada no gênero e assumindo protagonismo no cenário nacional.

Silva foi um dos inúmeros ouvintes e fãs de Marisa nesta época e além, uma vez que a cantora manteve-se ativa e produtiva por todo este tempo. Seu disco de 2000, Memórias, Crônicas e Declarações de Amor, que varreu as paradas de sucesso com o sucesso Amor I Love You, é o preferido confesso do capixaba. Levando em conta que seu trabalho é eminentemente Pop, sem abrir mão do referencial nacional oitentista, Silva entrou com naturalidade na obra de Marisa, oferecendo seu toque gentil e sua visão popesca dos anos 2010, que, acima de tudo, procura reconectar-se com este passado de 30 anos atrás, em busca de uma fluência que consiga existir à parte do tsunami sertanejo universitário que tomou as paradas e as referências de produção e gravação por estes dias. É justo o movimento de atingir mais gente, ainda que implique em alguma mudança estética em seus parâmetros, não havendo qualquer motivo de implicância com Silva em sua jornada. A questão se impõe na validade artística de seu registro.

Silva Canta Marisa traz doze canções, dentre elas, apenas uma inédita: Noturna, composição de Silva, que recebe a voz da própria Marisa Monte e se mostra como o melhor momento do álbum. Como disse uma amiga, fã da cantora, a obra dela precisa passar por um processo que a faça soar “fresca” novamente. A canção dá conta de quanto Marisa soa bem e interessante se decidir abrir seu leque de compositores e colaboradores. Silva, por sua vez, imprime sua marca nas onze faixas restantes. Há sucessos como Beija Eu, Eu Sei (Na Mira) e Ainda Lembro e canções belas e pouco lembradas, como Na Estrada, Não Vá Embora e Infinito Particular, todas levadas a passear pelo mundo musical do rapaz, no qual sua interpretação fornece simplicidade e vocais menos exuberantes, além de instrumental e arranjos alternativos, mas que não mudam tanto os originais. Exceção a essa regra é o Soul à la Lenny Kravitz que permeia Ainda Lembro, dando um ar vintage à composição, fazendo um enorme bem a ela. Também há um acento Reggae comportado em Eu Sei, que recebe vocais intimistas de Silva, numa combinação interessante.

O disco vai caminhando sempre com estas sensações e uma impressão de que belas oportunidades foram deixadas de lado em favor de um resultado mais uniforme. Mesmo assim, a boa intenção e o talento de Silva transparecem por todos os cantos e a boa verve de Marisa também é relembrada/apresentada, especialmente para as novas e novíssimas hordas de ouvintes, sedentos por algo que não seja mais do mesmo dentro do cenário atual do Pop nacional. A empreitada é agradável no sentido de que poderia soar ousada e sensacional. Nunca por monotonia ou falta de sentido. É que o tempo tem passado rápido demais e para muitos velhuscos, a obra de Marisa não precisava de tal releitura. Silva, ainda que timidamente, dá o seu recado.

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MARCADORES: Novo álbum

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.