SINAPSE: a melodia do ar

Yoko & John, “Who Has Seen The Wind” e o som de uma árvore caindo sozinha na floresta

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Fotos: Mariana Poppovic

Um músico e suas livres associações nas zonas de contato da arte (sempre às quartas-feiras).

 

 

A MÚSICA, O VENTO E O SILÊNCIO

Yoko Ono medita sobre o ar e suas forças invisíveis.

 

Foi lançada há algumas semanas a coletânea Ocean Child Tribute, uma homenagem a Yoko Ono, que conta com a participação de artistas como Sharon Van Etten, Deerhoof, Flaming Lips, entre outros. Organizada por Ben Gibbard, da Death Cab for Cutie, o projeto tem a intenção de fazer justiça ao “poço sem fundo” de inspiração que são as canções da artista.

David Byrne, em parceria com a banda shoegazer Yo La Tengo, apresenta uma versão para a música “Who Has Seen the Wind”. No vídeo de divulgação, a letra da música tremula sobre um fundo preto, como se uma mancha de óleo perdesse os contornos aos poucos, conforme o vento sopra sobre a superfície da água. Tilintando com o barulho de um sino de vento, a canção possui algo de fantasmagórico.

A versão original de “Who Has Seen The Wind”, produzida por John Lennon em 1970 e gravada no projeto do casal intitulado Plastic Ono Band, é mais delicada. A voz acapella de Yoko Ono possui a doçura e a melancolia de uma canção medieval. A música é inspirada pelo poema homônimo de Christina Rossetti, poetisa do século 19. Com apenas duas estrofes, o poema fala sobre as forças do vento que agem sobre a natureza, e, assim, atestam a existência de coisas invisíveis.

Explorando o som – e a agência do som –, de maneira livre e experimental, Ono canta, fala, grita, sussurra, geme, tosse, e explora mecânicas do ar numa maneira muito desbravadora em sua música. São várias as obras da artista relacionadas ao ar e ao vento. O poema intitulado Air Talk, de 1967, é um de meus favoritos e foi transformado em música no álbum Approximately Infinite Universe, de 1973.

O silêncio é outra forma de perceber o ar. Junto com John Lennon, Ono chegou a gravar  dois minutos de silêncio como uma manifestação simbólica do luto. Mas talvez a intervenção mais famosa do silêncio na música seja a da obra 4’33”, de John Cage, amigo de Yoko Ono. Na performance, o compositor se sentava diante de um piano sem executar nada. Neste intervalo, a atenção do público, dilatada por conta da expectativa de uma música prestes a começar, se voltava para coisas até então escondidas no ar: a tosse, o murmúrio da plateia e ruídos do ambiente.

Existe uma obra de 1968 chamada Vento, de uma artista norte-americana chamada Joan Jonas. É um vídeo que mostra um grupo de pessoas vestidas com figurinos pesados e dançando diante do mar. O propósito da performance era realizar uma dança improvisada na praia de Long Island, mas ao chegar no local, a equipe deparou-se com as condições climáticas adversas do dia mais frio do ano. O vídeo, que não tem som, mostra o grupo tentando se movimentar, lutando contra o vento e contra o frio. A intempérie estava tão adversa que chegou a congelar a câmera de vídeo, que passou a gravar mais lentamente. Na obra, o vento é pressentido através de outros fatores, mas é ele quem determina o que acontece em cena.

Um exercício filosófico famoso pergunta: se uma árvore cai sozinha no meio da floresta, ela faz barulho? A resposta, que pretende jogar com a nossa percepção da realidade, é negativa, já que o som só acontece quando as vibrações do ar são captadas pelo tímpano e registradas pelo cérebro.

No entanto, em seu poema Air Talk, Ono escreve: por mais distante que estivermos, o ar sempre vai nos unir. De fato, há algumas semanas, Ben Gibbard falava da inspiração (uma palavra relacionada ao ar) infinita que Yoko Ono nos provoca. O que está em jogo, parece, não é a obra de arte em si, mas as forças invisíveis que ela coloca em movimento.

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Autor:

é músico e escreve sobre arte