SINAPSE: arqueologia da memória

Liz Harris, Angelo de Augustine, Sufjan Stevens, diários pessoais e como o passado começa

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Fotos: Mariana Poppovic

Um músico e suas livres associações nas zonas de contato da arte (sempre às quartas-feiras).

 

ARQUIVO

Grouper, How Past Begins, Sufjan Stevens

 

Grouper é um projeto da musicista americana Liz Harris. Prolífica, ela lançou no ano passado o 12º álbum de sua carreira, intitulado Shade. O álbum é feito de registros arquivados ao longo de sua carreira: são 15 anos de composições, que ganham um novo significado agora que estão recontextualizadas.

Na capa, uma pequena fotografia em branco e preto exibe o dorso de uma mão aberta. O nome do disco chama a atenção para sutilezas: o importante não é a foto, nem a mão, mas sim a sombra que ela projeta sobre a parede.

Shade é como um registro de um diário pessoal ou um caderno de sonhos. São pedaços que não se conectam e, a princípio, parecem não fazer sentido, mas que, lidos depois de alguns anos, formam um quadro geral, sinóptico, da personalidade de uma pessoa.

Assim como Grouper, o músico americano Angelo de Augustine canta com uma voz cheia de ar, como se, ao fazê-lo, atravessasse a névoa da memória. O seu disco de estreia, Spirals of Silence, é uma exploração sobre a infância. Na música “How Past Begins” (Como o Passado Começa, em tradução minha), uma de minhas favoritas, ele canta: “Travel back / To the past …  I feel Interest in / How past begins’.

Algum tempo depois de sua estreia, Angelo de Augustine assinou com a selo Ashmatic Kitty, de Sufjan Stevens. Ambos lançaram recentemente um álbum em parceria, chamado A Beginner’s Mind, no qual fazem uma arqueologia da memória através de músicas agudas e cristalinas.

No álbum Carrie & Lowell, de 2015, autobiográfico, Sufjan Stevens tenta processar a morte da mãe e, consequentemente, perdoá-la por tê-lo abandonado quando criança. A música “Fourth of July, particularmente bela, relembra fatos alegóricos — fogos de artifício soltos num feriado nacional, um incêndio em uma floresta — para tentar processar o luto.

Ao revirar o arquivo do passado, artistas projetam luzes e sombras sobre ele. Recentemente o Stevens revisou a canção “Fourth of July” e lançou um EP especial com algumas versões diferentes para ela. Assim, ele traz uma novidade para a sua história pessoal, mantendo vivas coisas que já aconteceram.

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Autor:

é músico e escreve sobre arte