SINAPSE: beleza e decomposição

Wilco, luto, Anicka Yi e tempurá

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Fotos: Mariana Poppovic

Um músico e suas livres associações nas zonas de contato da arte (às quintas-feiras).

 

TEMPURÁ

Wilco e o luto

 

Cousin, 13º e mais recente álbum do Wilco, é mais um ponto alto na carreira do grupo e exibe o que a banda faz de melhor – elaborar um imaginário do interior dos Estados Unidos através de vozes suaves e timbres crispados. Há, no entanto, uma diferença fundamental de Cousin em relação a seus antecessores: a galesa Cate Le Bon na produção do trabalho, que incorpora algumas esquisitices e experimentos que não são usuais no trabalho de Jeff Tweedy e sua turma.

Já de início, o álbum apresenta guitarras distorcidas e alienígenas, que chegam como um aviso de que algo está diferente. O mesmo tom distinto vem na segunda faixa, “Ten Dead”, uma das melhores do álbum. Na faixa, que apresenta uma tensão crescente, “Jeff Tweedy denuncia sua própria impotência cansada e autoconsciente diante da banalização dos tiroteios em massa nos Estados Unidos”. Ele canta: “I woke up this morning/ And went back to bed/ Ten dead, ten dead/ Now there are ten dead”.

O que mais me chama a atenção em “Ten Dead” é a sua estafa, que denuncia uma espécie de cansaço maior, social, por conta de uma realidade que se impõe com tragédias diárias sobre nossas cabeças. Curioso é que esse tom se confirma com a decisão quase simultânea ao lançamento do disco de excluir “Ten Dead” de seu repertório da turnê. “Num ambiente de celebração como o de um show, Jeff Tweedy argumenta, a música soa ‘desanimada, anestesiada e fria’ de uma forma que só pode ser apropriada quando nos alcança de forma íntima, individual”.

Alienígena também é a capa de Cousin, que mostra um trabalho do artista japonês Azuma Makoto, que faz esculturas e instalações florais. Trata-se da obra Frozen Flowers 2023, um enorme arranjo que o artista montou em Hokkaido, onde as temperaturas alcançam por volta dos 15 graus negativos. Makoto e sua equipe diligentemente regaram o arranjo floral até que ele ficasse congelado. É um ornamento preservado em condições desfavoráveis à sua sobrevivência.

Quando vi pela primeira vez a capa de Cousin, achei que se tratasse de uma obra da artista coreana Anicka Yi. Ela também elabora esculturas com flores, mas a sua proposta é diferente. Na série Tempura Fried Flowers, ela exibe aglomerados alienígenas resultantes de flores fritas em massa de tempurá. Curiosamente, há um aspecto resiliente e cansado nesse trabalho que se reflete também no luto de “Ten Dead”. Quando expostos pela primeira vez, os arranjos de Anicka Yi fizeram parte de uma série chamada Denial, Divorce, and Death que é uma alusão aos estágios do luto conforme desenvolvido pela psiquiatra Elizabeth Kübler-Ross’s. As esculturas são expostas para que apodreçam como são. Uma referência à beleza e à decomposição, algo preservado neste momento paradoxal.

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ARTISTA: Wilco
MARCADORES: Anicka Yi, Azuma Makoto

Autor:

é músico e escreve sobre arte