SINAPSE: botânica sonora

Spectacular Diagnostics, Stevie Wonder, Resavoir e a mais estranha experiência que Charles Darwin realizou com uma planta

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Fotos: Mariana Poppovic

Um músico e suas livres associações nas zonas de contato da arte (sempre às quartas-feiras).

 

 

A VIDA SECRETA DAS PLANTAS

Nos anos 1970, um livro afirmou que plantas gostam de ouvir música. Essa ideia reverbera até hoje.

 

Navegando pelas novidades do Bandcamp, me detive no álbum Natural Mechanics, de um artista chamado Spectacular Diagnostics, um produtor de Chicago. O álbum traz sintetizadores melodiosos e batidas lo-fi farfalhantes que criam uma ambientação Hip Hop suave e flutuante. Na capa do trabalho, um lírio tigre e espigas de trigo dividem espaço com algumas margaridas amarelas. No meio delas, máquinas cheias de botões, painéis e antenas parecem saídas de alguma ficção científica dos anos 1970. Apesar da diferença entre os dois tipos de ilustração, da distância evidente entre a botânica e a tecnologia, elas integram o mesmo universo.

A trilha sonora parece a companhia perfeita para um café da manhã dominical: o sol penetra pelas janelas do apartamento através das venezianas e você se lembra de regar aquela costela de adão, comprada durante a quarentena e até então esquecida nos afazeres do cotidiano; um investimento feito na tentativa de se aproximar mais da natureza, ao sentir que o modelo da vida na cidade grande, afinal, deixa muito a desejar.

Igualmente esverdeado é o álbum Resavoir, do homônimo coletivo Resavoir, também de Chicago. Embasado no Hip Hop e carregado de texturas eletrônicas experimentais, a empreitada é o resultado da conjunção de dezoito músicos liderados pelo trompetista Will Miller. Plantasy, a quarta faixa, conta com um videoclipe no qual uma planta olha pela janela, toca um pouco de piano, lava a louça e depois sai pela cidade até plantar a si mesma na beira de um lago, sob a luz do luar.

A Vida Secreta das Plantas é um livro escrito por Peter Tompkins e Christopher Bird. Lançado nos anos 1970, atingiu a lista dos mais vendidos do New York Times na categoria não-ficção. O livro narra os experimentos de um cientista chamado Cleve Backster, um ex-agente da CIA especialista em detectores de mentiras, que supostamente haveria ligado um medidor de correntes elétricas à folha de uma planta num vaso do seu escritório. Influenciado pela onda new age, o livro apropria-se de uma ideia de espiritualidade induzida pela filosofia oriental que chegara aos EUA na época.

O livro afirma que Cleve Backster conseguiu, através de suas experiências, medir interferências nas plantas, como se elas estivessem reagindo a estímulos exteriores. O tipo de influência sobre o reino vegetal seria vasto e bastante instrumental: as plantas seriam capazes detectar mentiras, mensagens telepáticas, prever desastres naturais, receber sinais de galáxias distantes e, é claro, ouvir e avaliar música.

“A mais estranha experiência que Charles Darwin realizou com uma planta”, diz o livro no capítulo Em Sintonia com a Música das Esferas, “foi sentar-se diante de sua mimosa pudica, a nossa malícia ou dormideira, e tocar fagote para ela, bem de perto, para ver se conseguia estimulá-la a mover suas folhas”. Apesar do fracasso de Darwin, alegam os autores, alguns jardins seriam especialmente suscetíveis às sonatas de Bach e avessas ao Rock.

O compositor Mort Garson sentou à frente de seu sintetizador Moog alguns anos depois do lançamento do livro e compôs o álbum Mother Earth’s Plantasia. Na capa, um subtítulo: “Música terrestre e calorosa para plantas e pessoas que as amam”. O disco foi inicialmente distribuído como brinde na loja de plantas Mother Earth em Los Angeles e não obteve um grande sucesso comercial. Em 2019, foi reeditado pelo selo Sacred Bones.

Stevie Wonder’s Journey Through “The Secret Life of Plants” é a investida de Stevie Wonder na trilha sonora do filme baseado no livro A Vida Secreta das Plantas. Lançado três anos após o sucesso estrondoso de Songs in the Key of Life, foi rejeitado pela crítica por conta de sua atmosfera eletrônica e experimental. Hoje, situa-se como um ponto fora da curva na discografia de um mestre. O disco duplo, que propõe uma meditação mais pacífica sobre nossa relação com a natureza, parece um ponto de inflexão importante para a música temperamental e de tons esmaecidos de nosso tempo.

“Talvez as plantas estejam nos cultivando” é um meme que tem circulado há algum tempo pela internet. O argumento é que elas nos providenciam oxigênio apenas para que possamos adubá-las no futuro, quando estivermos debaixo da terra. Pensando por esse viés, ainda não provamos que as plantas gostam de ouvir nossa música, mas desde que um cientista ligou um galvanômetro a uma dracena nos anos 1970, não há dúvidas de que elas nos estimulam a produzi-la.

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Autor:

é músico e escreve sobre arte