SINAPSE: ecossistemas criativos

“Flow Critical Lucidity”, Jamie Nares e a turma do No Wave

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Fotos: Mariana Poppovic

Um músico e suas livres associações nas zonas de contato da arte (às quintas-feiras).

 

ONDAS CEREBRAIS

Thurston Moore, Jamie Nares e o No Wave

 

Escrevi na semana passada sobre o novo trabalho de Thurston Moore, o álbum Flow Critical Lucidity. Nele, o músico continua a sua linha de pensamento, fundada nos anos 1980 com o movimento No Wave e refinada ao longo das décadas ao lado da banda Sonic Youth: guitarras em timbres, afinações e composições inusitadas, que nos levam por caminhos evocativos, cheios de espaços vazios e encontros improváveis.

O movimento No Wave foi um gênero musical de vanguarda e uma cena de artes visuais que surgiu no final dos anos 1970, no centro da cidade de Nova York. O termo era um trocadilho baseado na rejeição da música comercial new wave e, como todo movimento de vanguarda, era anárquico e radical, forçando ainda mais a mão do punk em direção a algo experimental, que fugisse da reciclagem do rock and roll. Na cena, os artistas experimentaram com o ruído, a dissonância e a atonalidade, abrindo naquele momento uma trilha musical – como é o caso de Thurston Moore – que muitos continuaram a percorrer até hoje.

A turma do No Wave, no entanto, experimentava um pouco com a música, um pouco com a performance, um pouco com a literatura, um pouco com arte contemporânea, e assim sucessivamente, sem aportar definitivamente em uma linguagem só. Patti Smith, Laurie Anderson e Yoko Ono, por exemplo, não escutam música com ouvidos convencionais, mas como um meio de exploração de novas possibilidades. As capas do Sonic Youth nunca deixaram dúvidas sobre esse flerte entre diferentes vertentes do pensamento artístico: Raymond Pettibon em Goo, Gerhard Richter em Daydream Nation, Mike Kelley em Dirty, entre outros, comprovam um interesse dos artistas pelo universo das galerias de arte.

Em Flow Critical Lucidity, a capa, intitulada Samurai Walkman, é de autoria da artista Jamie Nares. Nela, vemos um capacete fundido com diapasões. Trata-se, como eu escrevi, de uma releitura, de uma ideia recorrente, ou coisa que o valha, que sobrevive na mente da artista desde os anos 1980.

Eu fui um músico autodidata no interior do Brasil no início dos anos 1990. Quando aprendi que Sonic Youth experimentava com as próprias afinações de guitarra, num momento em que nunca tinha passado pela minha cabeça que outras afinações além da padrão eram sequer permitidas, minha cabeça explodiu. É uma ideia que sintetiza a liberdade através de uma tomada de agência criativa das ferramentas de trabalho. Jamie Nares, por exemplo, constrói o próprio pincel, gigantesco, a fim de produzir imensas manchas de cor que, se dependessem de meios convencionais na pintura, simplesmente não ocorreriam.

Eu tive a sorte de aportar no meio de uma cena criativa em Nova York nos anos 1970, diz Jamie Nares em uma entrevista com o curador Han Ulrich Obrist, reforçando como o que ela presenciava, ali no momento, a inspirava para trabalhar. Ao que ele completa: “os artistas que te inspiram não fazem parte de uma genealogia, de uma linearidade, mas sim de um ecossistema”. Ou seja, quando você trabalha, quem está – metaforicamente ou literalmente – ao seu lado?

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Autor:

é músico e escreve sobre arte