SINAPSE: entre fadas e travesseiros travessos

Arnaldo Baptista e o mundo mágico do trocadilho

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Fotos: Mariana Poppovic

Um músico e suas livres associações nas zonas de contato da arte (às quintas-feiras).

 

GURUM-GUDUM

Arnaldo Baptista e o mundo mágico do trocadilho

 

Tive o imenso privilégio de fazer parte da curadoria, ao longo dos últimos meses, de uma exposição com pinturas do lendário Arnaldo Dias Baptista. Feita em parceria com a Casa Slamb e com o curador Lucas Velloso, e intitulada Gurum-Gudum: entre fadas e travesseiros travessos, a mostra é a sétima individual de Arnaldo como artista plástico. São 81 obras expostas desta grande figura que conhecemos majoritariamente através da história da música brasileira. São papelões paraná e telas, pintadas com tinta acrílica e com diversos objetos colados, que exprimem um mundo anterior ao do sentido: o da sensação.

Nas pinturas-esculturas de Arnaldo, tudo parece se encontrar no limite de um portal entre uma realidade e a próxima: entre o místico e a ciência, entre a vida adulta e a infantil, entre o mundo desperto e o mundo dos sonhos. São estágios de representação que mesclam o figurativo e o abstrato, como se o olho humano fosse capaz de enxergar vibrações invisíveis da luz e, enfim, decifrar as forças misteriosas que regem a nossa realidade por debaixo dos panos.

Em sua obra, Arnaldo parece se encantar com os significados ocultos nos trocadilhos, nos jogos de palavras em que a fala vira brincadeira e, assim, numa jogada psicanalítica, revela algo que estava escondido dentro do discurso. Temos, por exemplo, a “brin-cadeira”, a “mão-na-lisa”, ou o “java-ali”. Sobre explorar a sua personalidade através das cores e das brincadeiras, ele diz: “Sou um amante da filatelia”, ou seja, ele gosta de “sê-lo”.

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Já faz 20 anos que veio ao mundo o álbum Let it Bed. “Gurum Gudum”, a música de abertura, é uma lembrança de seu avô e uma canção que fala do encontro com uma coruja. Essa figura, a do bicho-psicopompo, me chama a atenção, pois ela é reincidente nas criaturas mágicas do mundo de Arnaldo. São os animais, afinal, que levam Alice em direção ao País das Maravilhas, e também Dorothy ao reino mágico de Oz. Nesses lugares fantásticos, encontramos lagartas, ostras, coelhos, macacos voadores, gatos invisíveis e assim por diante, numa concatenação de elementos onde tudo é desconcertante.

Quando Arnaldo ilustrou uma edição brasileira do livro d’O Mágico de Oz, disse: “A mensagem do livro, para mim, é a esperança por um mundo que seja de acordo com nossos sonhos. Ao pintar o mundo de Oz, lembro que tive uma experiência com a morte: senti que ela fugia de mim”.

Escutar com atenção o trabalho de Arnaldo, fitar o seu mundo fantástico de cores efervescentes, é decifrar alguns sintomas deste mundo onde nada é explícito. Seja na morte dentro do sonho, na vida dentro da psicodelia, uma coisa se embrenha dentro da outra, propondo configurações impossíveis de explicar com o raciocínio lógico. No entanto, os encontros improváveis revelam segredos fundamentais. Dentro do seu mundo feito de travesseiros, Arnaldo mostra o caminho de um percurso fantástico: “uma vez, uma fada me salvou – a almofada”.

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Autor:

é músico e escreve sobre arte