Um músico e suas livres associações nas zonas de contato da arte (às quintas-feiras).
HEXENSABBATH
Black Sabbath e a bruxa na floresta
Recentemente, ao escrever sobre o primeiro álbum da artista estadunidense Kathryn Mohr, levantei uma hipótese sobre uma linhagem musical do horror – uma música que, nos primórdios do heavy metal, era feita para chocar a sociedade com riffs de guitarra distorcida, mas que, em algum momento da história, se transmutou em uma música Lo-Fi sussurrada, cheia de reverb e feita em espaços vazios. Nesta SINAPSE, quero propor uma viagem através deste hipotético gênero musical. Não é um estudo cronológico que analisa minuciosamente como uma coisa se torna outra, mas uma livre associação de como, na música, alguns sintomas permanecem esquecidos e brotam, 50 anos depois, dentro de diferentes contextos.
Vamos considerar a estreia do Black Sabbath como ponto de origem possível. A banda inglesa, desde o final da década de 1960, sempre causou muita comoção com suas histórias que tocavam o terror e cutucavam o pânico satânico da sociedade. O próprio nome da banda alude a rituais das trevas e, é claro, não faltam anedotas ao redor do grupo, como o mais-que-famoso caso em que Ozzy Osbourne mordeu um morcego no palco.
A capa de Black Sabbath (1970) traz uma fotografia tirada no Mapledurham Watermill, um moinho situado às margens do rio Tâmisa, em Oxfordshire, Inglaterra, pelo fotógrafo Keith Stuart Macmillan, responsável pelo design geral do álbum. Em frente ao moinho está a modelo Louisa Livingstone vestida com um manto preto. Altamente modificada, a imagem em baixa resolução não revela exatamente a situação, só dá a entender uma espécie de perigo: a bruxa diante da floresta, colocada no limiar de um território desconhecido, impossível de dominar e que metaforiza os perigos do nosso subconsciente: escuro, labiríntico, indomável.
Esta estética do horror se manifesta em três elementos principais que persistem até hoje. Primeiro, temos a degradação Lo-Fi: assim como a fita VHS encontrada no filme A Bruxa de Blair (1999), o Lo-Fi nos dá a sensação de sermos testemunhas diante de uma relíquia secreta. A degradação da fita cassete, que não resiste à passagem do tempo, pode conter mensagens de fantasmas tentando se comunicar com o plano de cá – frequências que nossos sentidos não conseguiriam captar, mas o registro eletrônico, operando com outra sensibilidade, sim. No álbum de Grouper, Dragging A Dead Deer (2008), por exemplo, temos uma criança vestida de bruxa diante da floresta, apropriando-se das ideias e dos estilos de uma música que nos leva para cantos escondidos da nossa memória, trazendo à tona coisas que deveriam estar escondidas.
Em segundo lugar, temos a gravação de campo. Na faixa de abertura homônima de Black Sabbath (1970), ouvimos uma chuva, trovões e um sino de igreja dobrando ominosamente, nos alertando de que algo fúnebre paira no ar. As gravações de campo carregam um aspecto Lo-Fi, mas, mais do que isso, uma sensação de verdade documental, a testemunha de algo verdadeiro impresso na música. Vemos isso na glossolalia presente no álbum SAVED! (2023), de Reverend Kristin Michael Hayter, em que a artista, após se converter em pastora através de um cadastro online, passou por processos de privação de sono e jejum em busca da comunicação em línguas. Passando sua música por diversos gravadores quebrados até atingir uma textura específica, ela usa técnicas de gravação para criar um clima de transcendência.
Por fim, temos a ambientação: os espaços cada vez maiores e mais vazios que vão ganhando lugar na música. Mais do que a harmonia ou a melodia em si, importa o espaço no qual essa música ecoa. Na capa de Waiting Room (2025), de Kathryn Mohr, “temos uma imagem do subconsciente, onde estão visíveis as últimas lâmpadas de algum corredor que vai dar em algum porão, desembocando em um território desconhecido ou proibido. A sensação é a de que, ao dar play no álbum, estamos prestes a mergulhar no vazio”. O mesmo acontece com Ethel Cain em Perverts (2025), que se passa nas sombras de um confessionário, evocando uma religiosidade invertida e pervertida – uma música feita de coisas sobre as quais não se fala à luz do dia.
Dos filmes de terror B dos anos 1960 até A Bruxa de Blair e suas inúmeras releituras, a temida incursão das bruxas para dentro de uma floresta simboliza um perigo que nunca se revela inteiramente. Esta transformação do horror musical, do heavy metal ao Lo-Fi contemporâneo, reflete como a sociedade continua processando seus medos ancestrais. Há uma espécie de retroalimentação – de feedback, para usar um termo do universo da música: as manifestações artísticas respondem e influenciam a sociedade, que muda seus interesses e se transmuta, mas curiosamente continua temendo aquilo que pode desconfigurar a ordem do cotidiano.