Um músico e suas livres associações nas zonas de contato da arte (às quintas-feiras).
PURPLE HAZE
No-No Boy e os imigrantes
Julian Saporiti tira o nome de seu projeto musical No-No Boy do imaginário da Segunda Guerra. Depois do ataque de Pearl Harbor, os Estados Unidos colocaram os japoneses vivendo em território americano em campos de prisioneiros, argumentando que eles seriam uma ameaça à segurança nacional. Depois, exigiu que lutassem na guerra, jurando lealdade ao país.
Inspirado pela situação dos japoneses que recusaram o serviço militar estadunidense, o músico construiu todo o conceito de seu projeto, exemplificando como a música, diferentemente da geopolítica, é capaz de alcançar as pessoas que viveram nas brechas destes conflitos entre nações.
Dá para notar que o olhar de Saporiti não é trivial em relação às suas composições. No entanto, o interessante é que um ouvido desavisado pode passar pela sua discografia, marcada por um folk pop americano suave e melodioso, com traços de Wilco ou Sean Lennon, como quem passa de forma descompromissada por um domingo à tarde.
São muitas as histórias presentes nas faixas do músico, em que migração, colonização e guerra se interconectam. “Imperial Twist“, por exemplo, mostra como o rock and roll se tornou um estilo favorito no Vietnã por conta da influência dos soldados americanos. Há também a história de como os sobreviventes de um campo prisional se tornaram fazendeiros e, é claro, histórias sobre como a sua própria mãe conseguiu escapar da guerra do Vietnã.
De acordo com Saporiti, o projeto se desenvolveu como componente central de sua pesquisa de doutorado, valendo-se de anos de trabalho de campo e pesquisa sobre a história asiático-americana para escrever canções. Mas, mais do que histórias e conceitos, as consequências da guerra e da colonização estão insufladas na própria sonoridade do projeto: instrumentos asiáticos sampleados são colocados em uma paisagem sonora gravada no interior do Oregon; a voz de uma cantora vietnamita está sobreposta a gravações de campo do tempo da guerra, entre outros exemplos.
Todas essas técnicas formam uma ponte estética entre Ásia e América, criando uma manifestação sonora de espaços humanos perdidos entre os conflitos, contudo preservados e imbuídos no cotidiano.