SINAPSE: pela janela

Poorly Drawn House, American Footbal, Edward Hopper e voltar à casa da infância

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Fotos: Mariana Poppovic

Um músico e suas livres associações nas zonas de contato da arte (sempre às quartas-feiras).

 

 

DEIXAR A CASA, VOLTAR À CASA

Poorly Drawn House, American Football e a ruptura.

 

Poorly Drawn House é uma banda de slowcore com influências do emo “raiz”, originário do centro-oeste dos Estados Unidos. O trio de jovens musicistas possui uma alma experimental e produz músicas texturizadas de harmonias improváveis. De acordo com uma sinopse, o grupo “moldou a sua sonoridade com melodias lentas e um sentimento penetrante de melancolia. A banda almeja pintar uma figura sutil e reminiscente de dissociação através de sons distantes de clarinetes, guitarras, cordas e sopros – abraçando as noites de outono através da poesia e do tom”.

A capa do álbum Home Doesn’t Have Four Walls mostra uma foto branco e preta de uma casa no entardecer. A imagem está borrada, como se tivesse sido tirada em movimento, talvez indicando alguém que, ao passar defronte à casa onde morou na infância, registrasse o momento por impulso. Uma luz acesa do lado de dentro mostra que alguém mora no lugar. Sobre a foto, está um desenho rústico da casa. Na figura, é possível reconhecer o contorno da construção e identificar a janela acesa.

Uma das faixas do álbum Home Doesn’t Have Four Walls se chama “Night Hawks”. Sobre uma harmonia de guitarra, é possível ouvir o barulho de grilos, enquanto o vocalista declama: “seu rosto está triste e há um silêncio ecoando”. Nighthawks é também o nome de uma famosa pintura do estadunidense Edward Hopper. A aura da pintura é mais ou menos a mesma da música que empresta o seu título: alguém, do lado de fora de um recinto, observa, pela janela, o cômodo iluminado.

O que vemos na pintura, no entanto, é um bar – um casal, um homem e um garçom, em algum café no meio da madrugada. As ruas ao redor estão todas vazias. O quadro possui o clima tenso de um Estados Unidos que acabara de entrar para a Segunda Guerra após o ataque de Pearl Harbor. Apesar do contexto diferente, o silêncio e a solidão que emanam da obra transcendem momentos históricos.

Outro álbum que traz uma capa semelhante à do disco da Poorly Drawn House – uma casa, à noite, com a janela iluminada – é o clássico do “emo midwest” American Football. O disco, de grande influência para o universo emo e do math rock, é permeado por uma angústia adolescente. O disco parece carregar consigo o registro de um rito de passagem, muito comum no país, que é a do momento de deixar a casa em que se viveu para ir fazer faculdade em outra cidade. É uma experiência de partida, de separação, de ruptura.

Carey é o projeto solo de Sean Carey, também conhecido por ser o baterista da Bon Iver. Seus três primeiros discos traziam uma sonoridade naturalista, evocando barulhos de folhas farfalhando, galhos crepitando em uma fogueira e coisas assim. Há poucos dias, no entanto, o artista lançou um disco um pouco fora da curva, uma válvula de escape para momentos traumáticos. Chamado Break Me Open, também sobre ruptura, o álbum traz na capa a imagem de uma casa com a janela iluminada.

Disse o artista sobre o disco: “Mudar é bom. Difícil pra caralho, mas bom. Break Me Open é sobre amor – passado presente e futuro. É sobre paternidade – o sentimento avassalador de amor profundo pelos meus filhos e a melancolia de vê-los crescer bem diante dos meus olhos. Trata-se de aceitar minhas falhas e erros, me expor e tentar me conhecer melhor do que no dia anterior”.

17 anos depois de seu sucesso inicial – uma adolescência inteira –, a banda American Football lançou seu segundo disco. A capa do álbum, homônimo a seu antecessor, dessa vez, traz uma fotografia do lado de dentro da casa. É interessante notar a mudança de perspectiva. Agora, ao invés da visão de alguém que foi embora, temos alguém que permaneceu no lugar, como se o adolescente de outrora cedesse lugar a um adulto.

Observar a casa da infância é quase uma experiência de dissociação, como se fosse possível observar a si mesmo como uma terceira pessoa. É um exercício de distanciamento crítico, mas, mais do que isso, faz parte de um processo natural de amadurecimento. Olhar para registros do passado, de quem éramos no passado, é uma maneira de vivenciar uma ruptura temporal, presenciando os dois lados da história ao mesmo tempo.

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Autor:

é músico e escreve sobre arte