SINAPSE: plantas, humanos e máquinas

Antonina Nowacka, Erasmus Darwin e a mimosa pudica

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Fotos: Mariana Poppovic

Um músico e suas livres associações nas zonas de contato da arte (às quintas-feiras).

 

SONO NO JARDIM BOTÂNICO

Sylphine Soporifera e a mimosa pudica

 

Sylphine Soporifera, terceiro álbum de Antonina Nowacka, possui uma inspiração new age na medida em que enxerga a música como ferramenta para induzir outros estados de consciência. Nele, a artista, nascida na Polônia e radicada na Itália, grava instrumentos de vários lugares do mundo para criar um universo próprio, meditativo, que tenta alcançar algum lugar limiar entre o mundo desperto e o dos sonhos.

De acordo com a ela, seu trabalho é inspirado por esboços vocais feitos em cavernas na Indonésia, pela música hindustani que estudou na Índia, e performado através de vários instrumentos de diferentes cantos do mundo, como uma ocarina da Itália, flautas de bambu do Nepal ou apitos do México. Sylphine Soporifera amalgama todos esses sons, visões e experiências em uma música que se propaga pelo ar, onde sopros de vida, feitos de flautas, vozes e sintetizadores, preenchem a atmosfera ao nosso redor.

Sylphine Soporifera é a nomenclatura em latim de uma espécie imaginária, uma planta fantástica que induziria ao sono. O nome evoca alguma planta psicoativa, que provoca um estado alterado de consciência. No entanto, a interação fitoterápica que fica mais clara por aqui é aquela entre o vento e as sinewaves dos sintetizadores, que se unem em torno de um propósito comum. Nesse vídeo, que exemplifica o trabalho da artista, Nowocka performa uma corda esticada um tronco de maneira, que serve de base para que sua voz serpenteie e reverbere pelos espaços vazios de onde se encontra.

O nome Sylphine Soporifera me lembra de um trabalho que vi há muito tempo do artista português Pedro Neves Marques chamado The Pudic Relation Between Machine and Plant (2016). Trata-se de um vídeo que explora a dinâmica do toque entre um robô e uma planta, evocando simbolicamente a intersecção dos conceitos de tecnologia e natureza e o seu ciclo de ação e reação. O vídeo mostra um dedo robótico se aproximando lentamente de uma mimosa pudica, aquela planta, também conhecida por dormideira no Brasil, que se encolhe fechando suas folhas quando é tocada.

Em seu livro The Botanic Garden (1791), Erasmus Darwin sugere analogias entre o sexo dos seres humanos e as plantas, argumentando que estes são partes de um mesmo mundo natural. Darwin associa a mimosa pudica às aventuras sexuais do botanista britânico Joseph Banks em suas expedições aos trópicos. A planta, nativa da América do Sul, por conta do comércio marítimo, hoje sobrevive no Sudeste da Ásia, Austrália e região do Pacífico, justamente a geografia das aventuras sexuais do botanista.

Ao descrever as plantas por meio da linguagem do amor e do sexo, Darwin esperava transmitir a ideia de que os humanos são parte do mundo natural. Assim como Antonina Nowacka usa instrumentos e sabedorias musicais que conheceu pelo mundo, a história da mimosa nos mostra como o “ecossistema” também é um princípio cultural. Se a teoria da evolução aponta que a humanidade evolui por conta da tecnologia, The Pudic Relation Between Machine and Plant sugere que a tecnologia pode evoluir justamente por conta de sua humanidade.

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Autor:

é músico e escreve sobre arte