Sobre Ser Fã

Não há experiência musical completa sem uma dose de fanatismo em algum momento da vida

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Fotos: Foto: Ruvan Wijesooriya

Em tempos em que “fanboy” é uma crítica comum em todas as áreas; Em tempos de Internet e Redes Sociais, em que todos se sentem pressionados a dar seus pitacos sobre tudo e ser fã deixa de ser uma possibilidade, já que é necessário ser sempre racional e ponderado, pois sempre haverá alguém para lhe questionar; Em tempos de memes e ícones da Web que acabam tornando uma opinião absoluta, como não gostar de Nickelback ou – em menor escala – de Coldplay ou Los Hermanos, é importante refletir sobre a importância de ser fã.

Quem me conhece sabe que sou fã da banda LCD Soundsystem. Compro produtos relacionados, edições especiais dos discos e prensagens raras de singles, tenho uma tatuagem da DFA Records – selo co-fundado por James Murphy – e não vejo meu 2016 sem estar no Coachella durante a reunião.

Minha relação com a banda vai um pouco além da música, já que Murphy – seu líder e compositor de praticamente tudo que já fizeram – me inspirou a ver diversas outras áreas da minha vida de uma forma diferente, tanto ele como músico quanto como pessoa nas entrevistas que já acompanhei. Suas canções me ajudaram a superar momentos difíceis e também me acompanharam nas horas felizes.

Foram a trilha sonora de um momento da minha adolescência em que estava formando minha personalidade – normalmente a época em que ser fã é mais comum – e em que me identifiquei não apenas com sua música, mas com a atitude, as referências musicais, literárias, cinematográficas e até gastronômicas, por mais engraçado que seja. Tinha de 13 para 14 anos quando ouvi a banda pela primeira vez e nessa época, normalmente, somos como um velcro, procurando absorver tudo de legal que encontramos por aí e que nos ajudem a formar a imagem que queremos mostrar para o mundo.

Há pouco mais de uma semana, no natal, acordei com a surpresa de uma nova canção de LCD Soundsystem. A primeira em cinco anos, já que James Murphy planejou o fim do grupo em 2011. Aquela sensação familiar, mas estranha de ouvir algo inédito deles depois de tanto tempo foi uma das experiências musicais mais simples e marcantes que tive nos últimos anos.

Sentei na varanda de casa, peguei o melhor fone de ouvido que tenho e ouvi a faixa algumas vezes no repeat. Abri em seguida um site de letras para conferir se havia perdido alguma palavra e também acessei uma meia dúzia de blogs e contas de Twitter que sei que acompanham a banda para ver o que tinham achado.

Neste momento, é muito difícil analisar algo racionalmente, avaliar se realmente a faixa é boa ou não e, desde que você não tenha que analisar aquilo profissionalmente, é também completamente desnecessário. Isto porque depois de acompanhar uma banda por dez anos, incluindo projetos paralelos de seus integrantes, você se identifica com eles e entende a linha de raciocínio deles, mesmo naqueles momentos considerados ruins pelo restante das pessoas.

Esta sensação de acompanhar um artista que expressa tudo aquilo que está dentro de nós de uma forma interessante, ou mesmo de ouvir uma voz ou um instrumento, depois de tanto tempo, e resgatar memórias é a essência do que a arte deve fazer. É errado achar, quando se trata de música ou de qualquer produção cultural, que é possível separar o emocional e que quem não gosta de algo é superior a quem gosta. Sempre repito, que independente do objeto sendo avaliado, quem gosta de algo – por pior que aquilo seja – está mais feliz e mais satisfeito do que quem não gosta e não há cenário em que isso possa ser inferior.

Quando curtimos muito música, como nós do Monkeybuzz, adoramos ouvir de tudo, experimentar, discutir, analisar, afinal, é para isso que o site existe. Mas muitas vezes, é normal percebemos que estamos criando relações muito impessoais com os discos e ficando treinados a enxergar suas falhas, ficando a impressão de que é impossível curtir alguma coisa por completo.

Ser fã, portanto, é ter uma zona de conforto, um lugar para voltar quando está difícil se identificar com o que você tem ouvido. É claro que muitos fãs estão errados também quando querem impor seu fanatismo aos outros, mas não é deste tipo de fã que estou tratando aqui. Falo da apreciação como experiência individual e compartilhada entre outros que tem os mesmos gostos que você. Por isso, paremos de tratar “fã” como um adjetivo negativo, pois não é possível ter uma experiência musical completa sem ser fã em algum momento da vida.

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MARCADORES: Discussão

Autor:

Nerd de música e fundador do Monkeybuzz.