Som e silêncio com girl in red

Cantora norueguesa acaba de lançar seu aguardado disco de estreia, “if i could make it go quiet” – segundo ela, um processo de “sangue, suor e lágrimas”

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Fotos: Julie Pike

Em junho de 2019, a cantora girl in red, em publicação no Twitter, parecia não acreditar no que havia conquistado em menos de dois anos de carreira: “wow! ‘i wanna be your girlfriend’ atingiu 20 milhões de streams hoje. eu lembro que lancei essa música em setembro de 2017 no Soundcloud e ela teve 5 mil plays.” A faixa em questão é uma balada romântica que no palco ganha uma guitarra celebratória e ares de hino. Em 2018, foi escolhida como uma das melhores faixas do ano pelo The New York Times e hoje acumula 168 milhões de plays em uma das principais plataformas de streaming. A passos largos e apressados, a dominação mundial está em curso.

Marie Ulven é a norueguesa por trás do nome girl in red, que lançou hoje (30/04) o álbum de estreia if i could make it go quiet, um dos mais aguardados de 2021. A jovem de 22 anos é referência poderosa para jovens espalhados pelo mundo – especialmente jovens ainda mais jovens do que ela própria. Pelo menos dois milhões já a encontraram e a seguem no Instagram, e no TikTok a pergunta “Do you listen to girl in red?” se tornou um código para usuários que buscam amigos queer com ideias semelhantes.

Para entender a importância da figura e da mensagem representadas pela artista nesse momento, talvez seja interessante voltar um tempinho e pensar no cenário Pop dos últimos 20 anos. Em 1999, Marie nasceu na gelada Horten – no mesmo ano, em Moscou, uma dupla foi criada por um empresário. As t.A.T.u fariam um sucesso estrondoso no Pop mundial, vendendo a imagem de que eram namoradas, com músicas que tinham temas como o amor entre duas garotas. Anos depois a farsa foi desvendada. Além da qualidade musical, claro, a franqueza com que girl in red chegou, desde os primeiros uploads no Soundcloud há quatro anos, é um indicativo de que a geração Z procura por pessoas reais e discursos verdadeiramente inclusivos.

Se no começo de sua carreira as canções feitas dentro do quarto soavam honestas e simples, agora Marie mostra um amadurecimento musical muito didático, fácil de acompanhar. Os singles e EPs lançados de 2018 até 2020, que não fazem parte do álbum, são divertidos e com toques sarcásticos, já em if i could make it go quiet a cantora traz camadas mais grandiosas, e um encontro perfeito entre Lo-Fi e o refinamento do pop-perfeito – vide a faixa de abertura, “Seretonin”, produzida por Finneas, irmão e produtor de Billie Eilish. “Eu não tive muita música em casa enquanto crescia, além de ouvir rádio e músicas no carro da minha mãe com a minha irmã, gritando com toda força músicas da Beyoncé e Britney Spears”, relembra Marie, em entrevista ao Monkeybuzz.

“Eu não tive muita música em casa enquanto crescia, além de ouvir rádio e músicas no carro da minha mãe com a minha irmã, gritando com toda força músicas da Beyoncé e Britney Spears”

Adolescentes que acompanham a cantora já chegam com o ideal forte e consolidado de que o mundo precisa ser um lugar menos tóxico, seja nas relações interpessoais ou na relação dos humanos com o planeta. Em meio a todos esses questionamentos e a redes sociais que os bombardeiam com influenciadores e suas vidas irreais, artistas que tratam da saúde mental em suas letras – de maneira escancarada, sincera e, sim, Pop – são fundamentais. E talvez a temática seja o fio condutor do trabalho de estreia. “From the corners of my mind / I’m terrified of what’s inside”, canta ela em “Sertonin”, na qual, frente à angústia, entretanto, Marie busca a redenção. “O título do álbum é meio essa voz alta que aparece na minha mente, provavelmente aparece na mente de todo mundo. Os sentimentos e pensamentos que ocupam vários espaços e falam mais alto, sabe? Talvez seja eu querendo lidar com isso de uma forma melhor, é talvez um desejo de que fique tudo bem”.

Mesmo com a maturidade que esbanja desde cedo, uma das características mais marcantes no comportamento de Marie é o jeito moleca com que ela expressa opiniões e pensamentos. “You Stupid Bitch”, um dos pontos altos do disco, é a amostra perfeita desse aspecto jovial. “Eu acho que a letra dessa música é bem direta, mas eu queria fazer uma música que fosse roqueira e que fosse aquele momento pra você dar um mosh, sabe? Com certeza essa vai ser a parte que todo mundo vai dar um mosh e se divertir”.

“O título do álbum é meio essa voz alta que aparece na minha mente, provavelmente aparece na mente de todo mundo. Os sentimentos e pensamentos que ocupam vários espaços e falam mais alto, sabe? Talvez seja eu querendo lidar com isso de uma forma melhor, é talvez um desejo de que fique tudo bem”

O equilíbrio entre dedicação e inocência, disciplina e impulsividade, é o tônico que a trouxe ao momento atual. “Eu não fui apresentada a instrumentos antes de 14 anos. Ganhei uma guitarra no Natal de 2012 e fiz 14 anos em 2013. Foi quando comecei a tocar e isso se tornou grande parte da minha identidade. E aí comecei a ouvir música de outras pessoas. Nesse momento, eu tava escrevendo música, e, depois de alguns anos fazendo isso, tipo tocar piano e outros instrumentos, em 2015, percebi: ‘eu não quero mais ser professora, eu não quero mais ir pra escola, não quero trabalhar pra outras pessoas’. Mas ficava pensando que, se eu fosse artista, provavelmente não ganharia dinheiro. Mas eu não tinha um plano B. Tive essa crise com 16 anos, mas aí eu entendi que seria isso mesmo…e muitas coisas boas foram acontecendo, e hoje eu estou aqui”.

Ainda que colocada no mesmo balaio de novas cantoras da atual onda “Indie Pop”, como Clairo, Arlo Parks e até mesmo Billie Eilish, girl in red parece não se enquadrar tanto nesse cenário, muito por conta de não se escorar, digamos, tão abertamente em certas influências do passado. Ela parece ser um produto, inescapavelmente, de seu tempo. “Acho que nada dos 80s e 90s foi influência na produção do álbum. Esse álbum se inspirou nele mesmo, o que acho bem legal, porque sinto que não tava ouvindo música de outros artistas, tipo, ‘eu quero fazer esse tipo ou aquele tipo de música’. Fui inspirada pelas próprias músicas, sinto que cada uma tem sua própria coluna vertebral, seu esqueleto. Elas me parecem bem únicas.” E sobre trabalhar com outros artistas, ela acredita que ainda não seja o momento certo. “Ainda não sei quem eu sou como uma colaboradora, sabe? Eu quero um tempo para entender. Na real, fiz uma música com a Beabadoobee em 2018, quando a gente se conheceu, mas, no momento, eu não quero fazer música com outras pessoas, quero focar na minha música”.

A capa do trabalho traz pureza e profundidade, expressando muito sobre quem é girl in red – um universo em que o lúdico e uma dose de melancolia se encontram. “Ah, que legal que você gosta! É uma pintura, sim, tá aqui em cima do meu piano, essa é das boas. Eu acho que inspirações podem vir de todos os lugares. Acho que uma inspiração pode não refletir diretamente na música que eu faço. Posso me sentir inspirada com algo e sentir essa alegria, tipo ver um show, uma pintura, uma peça de arte…olhar uma cadeira, sabe? Eu me sinto inspirada por muitas coisas que sejam interessantes e que me fazem pensar e também me sinto inspirada por coisas randômicas”.

Sobre o processo de criação de um álbum de estreia, que muitas vezes parece ser o mais fácil, ou o mais livre para um artista expressar sua arte, ela é honesta em dizer que sua experiência foi outra. “Foi sangue, suor e lágrimas para fazer esse álbum. Não vou mentir, teve muita alegria e diversão, mas teve essa sensação de suor e lágrimas, porque eu nunca tinha feito um álbum e definitivamente não sabia o quão exaustivo seria. Foi mais difícil do que eu pensava. Lembro de pensar quando eu tinha 16 anos e a bio no meu Instagram dizia que eu tava fazendo um álbum, e isso tem seis anos. Então, foram seis anos para fazer isso. O processo foi incrível, mas exaustivo. E eu aprendi que tenho muito tempo para fazer um álbum”.

Lançar o trabalho nesse momento é um alívio para Marie, que, como tantos outros artistas, viu seus planos se tornarem adiamentos e incerteza – mas, como dito acima, ela continua encarnando o espírito paciente de “é questão de tempo” e o plano segue na mesma toada. “Eu tô bem. Foi muito ruim no começo da pandemia, mas ser artista às vezes é um trabalho de isolamento. Quando eu não tô em turnê, não tenho um lugar para ir trabalhar e ver meus colegas, sabe? Então, para mim, não é muito diferente. E esses últimos anos foram incríveis, eu tenho tanta lembrança boa. Turnês, conhecer pessoas, fãs, ver meu rosto na Times Square foi loucura, mas é meio impossível falar ‘isso aqui foi meu ponto alto’, porque foram muitos momentos lindos. E tô pronta pra mais”.

No último ano quase toda população mundial deve ter sentido uma baixa na serotonina, conhecida como o hormônio da felicidade. O álbum de Marie chega como um estimulante eficaz seja para celebrar bons ventos ou ajudar a afastar a intensa bad que nos ronda. “As pessoas são bem parecidas, mas também são diferentes, então eu só quero que as elas ouçam e tirem o que quiserem e precisarem desse trabalho. Se a pessoa precisa de uma música para se sentir segura e vista e menos sozinha, espero que minha música possa prover isso para ela, esse tipo de conforto, e, se uma pessoa quiser dançar e celebrar, eu espero que ela possa também. Não tenho um sentimento específico para o que as pessoas sintam ouvindo meu disco. Espero que gostem. E que funcione da melhor forma”.

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ARTISTA: girl in red