“Somos Tão Jovens” – Vamos Fazer um Filme?

Filme que retrata a juventude de Renato Russo antes da fama é nostálgico para os fãs da Legião Urbana, mas se perde no formato e nas más atuações

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O jovem Renato Manfredini Jr chegava a Brasília no início da década de 1970, vindo do Rio de Janeiro. Introspectivo e inteligente, o rapaz tem dificuldades para se entrosar no colégio até que descobre novidades musicais vindas da Inglaterra, mais especificamente, o Punk Rock. A partir disso, tudo muda em sua vida e a música passa a ser o canal de escoamento de todos os seus medos, angústias e pensamentos sobre a vida e essa coisa complicada que é ficar adulto. Ele irá, entre os anos de 1976 e 1982, experimentar alegrias e tristezas, que serão o combustível para suas canções e atitudes. Ao longo do processo, Renato Manfredini se tornará Renato Russo. Este parágrafo, de maneira sucinta, descreve a história que Somos Tão Jovens se dispõe a contar. Não seria tão simples, uma vez que Russo se tornou um dos maiores artistas de sua geração e sua banda, a Legião Urbana, ainda ocupa o posto de grupo mais bem sucedido do Rock Nacional, desde o número de cópias vendidas de seus treze discos, passando pela quantidade de fãs que viram suas vidas preenchidas pelas narrativas de Renato, que emprestou suas angústias para todos os que também enfrentavam a dura missão de viver suas adolescências.

Seria ótimo elogiar Somos Tão Jovens. Ao fim de seus 104 minutos de duração, fica uma sensação estranha, de uma sucessão de equívocos de vários graus de importância, desfilando ao longo da narrativa. De fato, há erros, sobretudo no elenco, com atuações que beiram o constrangimento. Salvam-se Tiago, que convence como Russo, num desempenho que ultrapassa a imitação pura e simples e atinge momentos legais de improviso e nos dá uma boa noção de como Renato deveria ser em casa, com os pais, com os amigos e consigo mesmo. Em alguns momentos, a maneira peculiar dele ver o mundo se confunde com todos os outros amigos de classe média alta, filhos de funcionários do governo, lotados em Brasília. Em outras, no entanto, aparece a criatura distinta, o intelectual-nerd que ele sempre foi, mais ou menos afetado, mais ou menos confuso sobre sentimentos e opção sexual. O filme é bem delicado ao abordar este tema, mas resvala para uma certa concessão moralista, permitindo a Renato dois relacionamentos platônicos-impossíveis; um com Flávio Lemos – baixista do Capital Inicial – e outro com Ana Cláudia (vivida com certa desenvoltura por Laila Zaid), sua melhor amiga.

O pano de fundo é, claro, a cena Rock que vai se formando entre os blocos e superquadras da capital federal. Informados pelas novidades inglesas, os jovens começam a ouvir Punk Rock e, como por encanto, adquirem consciência político-social. O filme peca ao estabelecer uma visão maniqueísta entre punks bonzinhos e legais versus playboys de direita que gostam de Disco Music. Não chega a atrapalhar, mas resvala para um tom de caricatura involuntário que permeia quase todo o filme. A diferença entre a genialidade de Renato e a mediocridade dos irmãos Fê e Flávio Lemos, que formariam o Capital Inicial pouco depois. Além disso, as bandas vêm e vão ao longo da narrativa, mostrando que, afinal de contas, tudo aquilo não passava de jovens fazendo barulho com suas guitarras.

A parte dedicada ao Trovador Solitário, momento em que Renato abandona o Aborto Elétrico, banda que tinha com os irmãos Lemos, é reduzida a três canções: Eduardo e Mônica, Faroeste Caboclo e Eu Sei, que são cantadas aqui e ali, sempre com a platéia dividida e punks atirando moedas no palco. Daí tudo se encaminha para a formação da Legião Urbana e um desfecho que todos nós sabemos. O filme trata essa sequência em que a Legião tem início e realiza seu primeiro show em Patos de Minas com didatismo que contrasta com as atuações lamentáveis do elenco. Esta relação de inversão de proporções é outro problema de Somos Tão Jovens: o roteiro esmiuça fatos históricos fornecidos pela família de Russo, sobretudo sua irmã Carmen, que tem uma aparição logo na primeira sequência do filme. Talvez fosse melhor a realização de um documentário em vez de uma narrativa dramática.

Claro que a nostalgia é inevitável, sobretudo para quem era adolescente nos anos 80 e viu os efeitos desses eventos se materializarem em forma de música, que significavam muito. Mesmo assim, com toda a boa vontade possível, Somos Tão Jovens se perde no meio do caminho, entre a caricatura involuntária e o didatismo de documentário. Uma pena.

Em tempo: todas as performances ouvidas no filme foram registradas ao vivo. Além disso, há participações de Phillipe Seabra (vocalista da Plebe Rude), Giuliano Manfredini e Nicolau Villa-Lobos, filho do guitarrista Dado Villa-Lobos, que interpreta seu pai.

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MARCADORES: Filme

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.