Sons em família com KL Jay e Hanifah

No Projeto Audição, pai e filha derrubam fronteiras geracionais por meio de músicas especiais das coleções de cada um

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Fotos: Jamila Simões / Isabela Aparecida

Trocas musicais entre pai e filha. É assim que KL Jay e Hanifah Adowa definem o Projeto Audição, no qual ambos discutem referências, trazem curiosidades, destrincham samples e derrubam fronteiras geracionais por meio de sons especiais das coleções de cada um. Presente em casas musicais e nas redes sociais, o projeto, através da propagação de criações artísticas que se aproximam ou se distanciam, reforça a ideia de como a música é capaz de promover conexão – familiar e, claro, com o público.

Kleber Simões, o DJ KL Jay, tem mais de 36 anos de carreira e se mantém na ativa em diversas frentes. Além das apresentações com o Racionais MC’s, ele comanda a gravadora KL Música, a festa Sintonia – ao lado dos DJs Ajamu, Will, Kalfani, seu irmão e filhos, respectivamente – e inaugurou recentemente o Katarina Bar, no centro de São Paulo. Hanifah Adowa, após um período focado em moda e publicidade, retornou para a música no ano passado, soltando três singles que trazem influências de R&B e pop. “Sempre soube que a música fazia parte de mim. Minha mãe me influenciou através da música gospel e o meu pai com o rap. Fiquei muito vidrada, eu sabia que era algo meu. Com a maturidade, eu quis ir atrás do meu corre para ficar mais independente, então dediquei um tempo para moda e publicidade, que eu também vejo que me ajuda na minha carreira musical. Mas não tem como fugir. Quando a gente nasce e ama uma coisa, a vida dá um jeito de dar um giro e te trazer de volta. Nesse momento, você pega o bonde ou não pega, e eu peguei”, afirma Hanifah. A artista agora também movimenta sua paixão por meio do projeto – uma performance com toques de programa de rádio capitaneada por pai e filha. Para KL Jay, inclusive, a relação com o rádio foi decisiva não apenas para despertar seu amor pela música, mas para aguçar seu desejo por sempre descobrir novos sons. “Os meus primeiros garimpos vieram através da rádio. Foram com as rádios FM que despertei para música. Durante os anos 1970 e 1980, o que tocava muito era o funk norte-americano. Com isso, tinham as festas dos bailes, e eu me identificava com isso, música para as pessoas dançarem. Eu acompanhei a maré e peguei a transição para o hip-hop”.

A estreia do Projeto Audição aconteceu de forma despretensiosa, com uma ideia de apresentação única, realizada no Sesc Bom Retiro. “Em 2023, o meu tio Jeferson, que é produtor, veio com uma ideia de um projeto no Sesc Bom Retiro, em que a proposta era mostrarmos as trocas musicais de pai e filha. Separamos os vinis, porque queríamos mostrar na hora e contar as histórias por trás, e eu cantei alguns sons meus. O evento foi gratuito e foram muitas pessoas. Mas, na época, não tinha nem nome”, relembra Hanifah. Após a apresentação, a ideia permaneceu na mente de Hanifah e, em 2024, o primeiro vídeo do projeto foi publicado nas redes sociais. “Depois daquele dia, fiquei com isso na cabeça, porque foi bem massa no dia que rolou. Nisso, chamei meu pai para gravar alguns vídeos e postar na internet para compartilhar com mais pessoas. Nós gravamos o primeiro vídeo e viralizou. Continuamos fazendo os vídeos e os convites começaram a surgir. Inclusive, temos muita vontade de ir para outros estados. Vimos que era uma ideia que dava certo e está rolando”. A dupla já passou por Sesc Ipiranga, Alma São Paulo e Casa Bona, e tem sua agenda atualizada nos perfis das redes sociais dos artistas e da KL Música.

 

“O passado foi muito glorioso – e é até hoje. As músicas são atemporais. Você escuta uma música do Michael Jackson e do Stevie Wonder, por exemplo, parece que foram feitas ontem. Mas existem músicas novas e é bom acompanhar, é isso que mantém você no jogo” – KL Jay

O Projeto Audição põe para tocar sons clássicos e contemporâneos de forma contextualizada, com o repertório criando uma ponte para compartilhar conhecimento e homenagear obras importantes. Além de vinil, compactos e CDs, a dupla usa o serato para faixas mais recentes que não estão disponíveis, tão facilmente, em mídia física. “Buscamos mostrar a magia da música. De forma improvisada, mesclamos entre o serato e o vinil, para mostrar as possibilidades da música – coisa que ele me passou, e que outras gerações podem viver”, conta Hanifah. “Eu mostro a música que eu colocava para os meus filhos escutarem quando eles eram crianças. E tem as músicas atuais que ela me mostrou. Essa troca que conecta as pessoas. E nós contamos as histórias, e o pessoal gosta de ouvir história”, resume KL Jay.

Pai de Will, Hanifah, Jamila, Kalfani e Kalifih, e mantendo projetos musicais com três deles – Hanifah, Will e Kalfani –, KL Jay diz que sente que nasceu para ser pai e DJ. “Eu nasci no dia dos pais, inclusive o calendário de 2025 é idêntico ao calendário de 1969, que foi o ano que nasci. E dia 10 de agosto, que é o meu aniversário, vai cair no dia dos pais. Na época em que tive os meus filhos, eu não tinha noção da responsabilidade do que era ser pai, mas eu queria ter filhos. Mas eu sinto que nasci para ser pai e DJ”.

“Buscamos mostrar a magia da música. De forma improvisada, mesclamos entre o serato e o vinil, para mostrar as possibilidades da música – coisa que ele [KL Jay] me passou, e que outras gerações podem viver” – Hanifah

Atuais obsessões musicais

“Estou escutando muito o novo disco da Alessia Cara, Love & Hyperbole. Sou muito fã dela e ela faz um tipo de som que eu sempre quis fazer” – Hanifah

“Tô ouvindo a Doechii, ela é muito talentosa. Cada hora que a ouço, descubro uma nova coisa. E Minnie Riperton, o Adventures in Paradise (1975), que já conhecia, mas agora estou escutando na ordem. Quando você escuta as músicas soltas, é uma sensação; e quando você escuta o disco na ordem, é outro olhar. A LAYSA, da KL Música, lançou disco recentemente e está muito bom. E o Kyan, eu sou muito fã dele. Sagaz nas letras, tem um flow cativante e canta com agressividade. Me identifico muito com isso” – KL Jay

“Uma coisa que aprendi com o meu pai, e acredito que o hip-hop ensinou isso para ele, é trazer as pessoas. Trazer gente para somar com o que a gente tá fazendo acontecer. Porque não fazemos nada sozinhos, e quanto mais pessoas tiverem para somar, ótimo” – Hanifah

Ampliando horizontes

Para além dos ensinamos musicais, Hanifah conta que aprendeu com o pai a importância de nutrir uma comunidade. “Uma coisa que aprendi com o meu pai, e acredito que o hip-hop ensinou isso para ele, é trazer as pessoas. Trazer gente para somar com o que a gente tá fazendo acontecer. Porque não fazemos nada sozinhos, e quanto mais pessoas tiverem para somar, ótimo”. Já KL Jay destaca o frescor musical e criativo que a filha traz. “Além mostrar novidades, a Hanifah sempre tem boas ideias”.

Entre os principais artistas que fazem parte das trocas entre pai e filha, a dupla destaca nomes como Fleetwood Mac, Patrice Rushen, Change, Chaka Khan, Michael Jackson, Pharrell Williams, Erykah Badu, Elis Regina, Jorge Ben Jor, Guilherme Arantes e Pitty. Para KL Jay, o segredo para o projeto funcionar é se manter disposto a escutar novas sonoridades. “Nós temos a mente aberta para a música. Aprendi ser assim porque o rádio faz você abrir a sua mente. Falei do funk norte-americano, mas na época tocava muito rock e muita música brasileira também. Ao se permitir ser aberto para a música, a gente consegue acessar vários tipos de música e não ficar preso em um estilo só. Por isso que o projeto dá certo: porque os dois têm a mente aberta, então é um leque de opções”. KL Jay ainda ressalta que a paixão pela obra de artistas clássicos não deve impedir que os ouvidos apreciem novos e artistas criações. “O passado foi muito glorioso – e é até hoje. As músicas são atemporais. Você escuta uma música do Michael Jackson e do Stevie Wonder, por exemplo, parece que foram feitas ontem. Mas existem músicas novas e é bom acompanhar, é isso que mantém você no jogo”.

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ARTISTA: Hanifah, KL Jay