“A coisa mais empolgante da vida é aprender coisas novas e fazer coisas com outras pessoas.” É a partir dessa motivação que Avalon Emerson constrói sua trajetória como uma das figuras mais inquietas da música eletrônica contemporânea. Produtora musical, DJ e artista visual, ela transita entre estúdios, pistas e colaborações criativas com a mesma curiosidade com que explora novas ferramentas, texturas e linguagens. De sets que flertam com a house music de Chicago ao dream pop eletrônico de seus lançamentos mais recentes, Avalon desenvolve uma obra plural, na qual a experimentação é mais um método do que um estilo.
Ao longo dos últimos anos, o desejo de criar em coletivo ganhou força, impulsionando colaborações com músicos de diferentes formações e fortalecendo um vínculo mais orgânico com o som. Em seu trabalho mais recente, o álbum & the Charm (2023), Avalon expande esse campo de possibilidades. Influenciada tanto por sintetizadores quanto por cordas, vozes e percussões acústicas, ela cria um universo sonoro delicado, multifacetado e emocionalmente potente. Mas não só a música importa: as imagens que acompanham seus lançamentos — clipes, capas, visualizações — formam um ecossistema estético pensado com o mesmo cuidado, resultado de parcerias criativas duradouras e de um fazer artístico que tem a curiosidade como força propulsora.
Em entrevista para o Monkeybuzz, a artista reflete sobre processos criativos, os limites das classificações musicais, a potência dos encontros e a importância de olhar para o passado — de livros esquecidos a mídias analógicas — como forma de imaginar o futuro.
Queria falar um pouco sobre o seu processo criativo – seja como DJ ou produtora musical. Não consigo deixar de pensar que são abordagens bem diferentes na criação musical, mas que compartilham muitas semelhanças…
Fazer música, especialmente agora, é algo que me atrai muito. Porque tem tanta música nesse mundo e tantos tipos diferentes de coisas… Não que eu me canse de um tipo específico, mas é como se meu olhar fosse constantemente tentado por tantas coisas. Acho que aprender, no geral, é uma parte gigante de quem eu sou. E eu acho que a coisa mais empolgante da vida é aprender coisas novas e fazer coisas com outras pessoas. E isso me atrai para diferentes tipos de música que quero fazer. Por exemplo, fazer música com uma banda ou grupo tem um grande aspecto colaborativo. Acho que a música eletrônica é muito solitária. Há várias formas de se colaborar — tipo usando o Ableton Link, que é incrível. Mas ainda é só eu no meu computador, sabe? Você pode usar equipamentos externos e sintetizadores externos, e isso também é muito bom. Mas trabalhar com outras pessoas tem sido uma grande descoberta nos últimos cinco anos. É engraçado, porque eu trabalho com música há tanto tempo e este é um processo que todo mundo já fez na história: fazer música com outras pessoas. É algo comunitário, não apenas restrito a músicos profissionais. Estou descobrindo isso relativamente tarde na minha carreira, e acho tão legal poder trabalhar com um baterista fantástico, um guitarrista incrível, um grande violoncelista. Todas essas coisas diferentes são muito empolgantes e legais para mim. Eu amo todo tipo de música!
“Essas palavras que usamos para colocar a música em caixinhas são muito subjetivas. Pergunte ‘o que é techno?’ para 10 pessoas diferentes, de idades diferentes, de diferentes lugares do mundo, e vão ter 10 respostas diferentes”
Ao escolher sons e texturas para suas músicas, você estabelece um conceito antes ou é algo que você consegue nomear apenas depois de começar a experimentar?
Começa com ouvir e prestar atenção nas coisas que eu gosto, investigar o que eu gosto nisso e seguir por esse caminho. É legal ouvir que eu tenho um som característico. Mas realmente não tento criá-lo antes. É uma experiência de aprendizado constante enquanto estou fazendo música. Me vejo atraída por certos tipos de melodias. Há um pouco do processo de experimentação, de fazer várias demos e só ficar brincando. E acho que essa parte, a fase mais avançada, é quando talvez fique menos divertido e mais uma tarefa de resolução de problemas, o que também é uma das razões pelas quais acho que aprender e desenvolver expertise é onde acontece o crescimento para mim. Tento equilibrar a primeira parte, onde gosto desse espírito intangível e abstrato, e depois fundi-lo com tentar fazer tudo soar realmente bem, fazer o arranjo fazer sentido e ser o mais poderoso possível. Manter a ideia até um padrão de completude que quero e que seja algo que vou tocar como DJ. A música envolve tantos processos diferentes que é muito ingênuo dizer que podemos estabelecer um conceito primeiro e ele vai se manter durante todo o processo. Muda ao longo de todo o processo criativo, eu acho.
Sua música se encaixa em diferentes gêneros e subgêneros musicais. Você sente que esses rótulos te ajudam a identificar os sons que você quer alcançar enquanto está produzindo?
Eu não acho. Essas palavras que usamos para colocar a música em caixinhas são realmente muito subjetivas, sabe? Pergunte para 10 pessoas diferentes, de idades diferentes, de diferentes lugares do mundo o que é techno e elas vão ter 10 respostas diferentes. Elas podem ser úteis às vezes. Especialmente no começo da minha carreira era meio difícil estar entre tantas coisas diferentes. Mas eu já estou fazendo isso há bastante tempo agora, que eu não fico estressada com isso. Só faço a música que faço, e as pessoas podem chamar do que quiserem. Os críticos musicais vão tentar usar a linguagem para comunicar a música, e sempre há uma perda nesta tradução. Outros escritores ou pessoas na internet vão usar a descrição inicial de alguém e depois continuar. O que era considerado dream pop nos anos 1990, agora já é percebido de outra forma pelas novas gerações. Se algo no TikTok tiver guitarra e pedal de distorção já dá para chamar de shoegaze. Quer dizer, quem é que pode dizer o que é ou não é, né? É muita coisa.
“O que é mais evocativo e bem-sucedido em transmitir uma ideia exige tanto o componente musical quanto o visual — a estética, a construção de um mundo”
Estou curioso sobre as diferentes imagens que ilustram sua música – capa de álbuns, visualizadores, videoclipes. Na sua perspectiva, como a música e a imagem se complementam?
É algo muito importante. O que é mais evocativo e bem-sucedido em transmitir uma ideia exige tanto o componente musical quanto o visual, a estética, a construção de um mundo. Mas, hoje em dia, como estamos vendo, a distribuição já não importa tanto, porque as pessoas não compram mais música em lojas de discos, nem descobrem as coisas assim como faziam antes. Tudo tá no celular, no YouTube. Então, o jeito que a música chega até o seu celular importa cada vez menos. Sinto que as pessoas são menos fãs de uma gravadora específica. Antes, isso comunicava um certo nível de qualidade. Tipo, “eu e meus amigos ouvimos tudo da Warp, não ouvimos nada de gravadora grande”. Ou, “ah, nós somos do rolê da dance music, mas não ouvimos nem tocamos nada do top 10 do Beatport. A gente garimpa no Bandcamp”. E tudo isso molda o que a música é e como a gente se identifica como ouvintes e fãs. Então, o aspecto visual é mesmo importante, mas eu acho também que é mais difícil de se destacar, porque há menos espaços onde isso aparece de forma realmente diferente. Hoje, tudo é só um quadradinho, um PNG da capa do álbum, lado a lado com todos os outros PNGs no seu celular. O que eu gosto de fazer é me conectar criativamente com os artistas visuais que eu trabalho. Trabalhei com o Alex McCullough em várias das minhas artes no passado, e ele é brilhante. Me conecto muito com ele criativamente. Como artista, você tem controle da música, claro, mas também de como ela chega até as pessoas. Você tenta fazer o que pode, mas, ao mesmo tempo, não tem muito controle sobre isso.
Quais suas impressões sobre a música brasileira?
Acho que a música sul-americana em geral é… Algo enorme. Como se você estivesse entrando em um mundo completamente novo. Da última vez que eu visitei São Paulo, foi uma das vezes em que mais tive essa sensação de imensidão. É tão rica, tão multicultural e, chegando como DJ para tocar para esse público, eu me senti meio fora do meu elemento. Sabe, passei a maior parte da minha carreira tocando nos EUA e na Europa e, quando chego aqui, sinto que estou atrasada, que preciso correr atrás de tudo que está acontecendo em termos musicais. Tem muita coisa acontecendo. A energia é incrível! Há uma cultura de “garimpo” muito grande!

“Acho que aprender, no geral, é uma parte gigante de quem eu sou. E a coisa mais empolgante da vida é aprender coisas novas e fazê-las com outras pessoas. E isso me atrai para diferentes tipos de música”
Para além de gêneros musicais, o que te influencia a fazer música?
Uma coisa que descobri em uma visita ao Japão que mais me chamou atenção foi a devoção deles às mídias antigas. Achei isso tão legal! No centro de Tóquio há andares e mais andares de livrarias antigas, com laserdiscs antigos, toneladas de DVDs e Blu-rays, versões japonesas de posters de filmes dos anos 60, 70 e 80. Tanta mídia por aí, e que não está online. Não aparece no feed dos algoritmos. É muito importante lembrar que há tanta cultura que aconteceu, que foi registrada e arquivada por gerações passadas. E não considerar isso é um enorme ponto cego. Buscar livros antigos, filmes antigos, descobrir artistas de colagem, fotógrafos de Polaroid do passado. Tem muita coisa rica por aí que é importante, e é muito fácil cair na preguiça — eu mesma sou culpada disso às vezes — de ficar só rolando o feed no Instagram de designers gráficos e achar que aquilo é cultura. Há muito mais além.