tantas coisas com Linn da Quebrada

Rituais pré-festival, Sandy & Junior, Black Alien e ter um lugar para onde voltar

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Fotos: Gabriel Renne Arte: Beatriz Dorea

O meu lugar preferido para compor é…

Andando, caminhando, em trânsito. Confesso que eu não sou tão metódica quanto deveria ser na arte da composição. Acredito que compor, ou se decompor em canções, ou mesmo escrever, vem do exercício prático de observar o mundo, minha relação com o mundo, e assim, de pôr em palavras e materializar sensações. escrever com imagens ou imaginar com palavras. Dar ritmo e melodia a determinadas inquietações. Lembro de quando comecei a compor as músicas do álbum Pajubá, tudo veio como num jorro, de repente, já tinha 8 músicas. Mas pensando hoje, foram anos & ânus de toda uma vida que desembocaram em tantas canções. Depois, lembro de um dia que a Raquel, da banda As Baías, disse que eu era uma ótima compositora. Receber tal título, de alguma forma, fez com que eu me perguntasse se eu era mesmo compositora, porque se eu fosse, eu teria a capacidade de escrever uma canção a qualquer momento (doce ilusão).  E naquele dia eu voltei pra casa, e dentro do ônibus compus “Tomara”. 

Algumas outras vezes já tive que compor algo em pouquíssimos dias e meio que sob demanda, confesso que não lido muito bem com pressão, principalmente a minha. Mas quase todas as vezes que me propus a isso, saí para caminhar, andar e assim dar algum ritmo ao que estou pensando, ou ao mote que a música carrega, e assim, tudo saiu. Sinto que quando caminho sou sincera comigo, percebo os pensamentos recorrentes, o que é urgente para eu dizer, para que eu escute. E também porque percebo que quanto mais cansada fico, mais objetiva sou. Não tento fazer firulas para impressionar, faço o que é necessário. O corpo cansado responde. Confio muito no corpo para escrever. 

E também tenho muito cuidado com as palavras, com o que elas carregam e os efeitos do que sua organização desorganiza e afirma. Percebo que a potência da minha música está no que eu digo, e não necessariamente no virtuosismo da minha voz. Porém, minha voz sou eu. Meu corpo grita mesmo em silêncio. Mas eu não sou capaz de cantar algo que não acredite. Entendo a música como feitiços que elaboro para que caiam sobre mim mesma. Escrevo para que se torne realidade, para que eu possa sentir. O primeiro alvo de minhas canções sou eu mesma. Talvez, a maneira mais honesta de responder isso seria dizer que meu lugar preferido para compor é quando sei onde tenho que acertar a flecha. É quando estou em mim. Afiada e corajosa. Disposta a morrer e matar. Seja lá o que for.

Eu sei que uma música está pronta quando…

A sua estrutura vai ficando rígida. Quando me apego às palavras, quando elas ficam cheias de sentido, que já não posso mais trocá-las. Quando elas cabem tão bem na minha boca que eu sinto o sabor que cada frase carrega. Quando eu sei onde elas tem que chegar. Quando canto e sinto que me faço canal e, assim, a música atravessa outros corpos também. Geralmente, eu canto muito uma música antes de gravá-la. Na maioria das vezes eu nem escrevo elas de fato! Eu as experimento em shows ou em qualquer outra oportunidade que eu tenha até que elas vão ganhando forma e se cristalizem, mesmo que continuem se transformando nas performances. Mas eu amo quando sinto a necessidade de cantar e jogar aquele feitiço, quando sinto que a música se encaixa perfeitamente em si e em mim. Quando sinto que ritmo e melodia formam uma unidade com a música, assim eu sei que ela está pronta para mim e eu estou pronta para ela.

Meu ritual pré-festa/pré-festival é…

Me conectar com todas as pessoas que estão trabalhando comigo. Um show é feito por todas as camadas que o compõem. Desde técnico de som, iluminadores, backing vocal, DJ, musicistas, todas temos de vibrar juntas e estar conectadas pelo fio que nos une e nos liga ao público. Algumas vezes faço alguns exercícios, com toda equipe, que aprendi no teatro. Massagens, vocalizes, práticas que nos incorporem à nossa coluna e mantenha nosso olhar vivo e ativo, umas com as outras. É fundamental para mim saber com quem posso contar. Que todas estamos ali para nos divertir e fazer o que já sabemos, lidando com o imprevisível mistério de agir e atuar e compartilhar. Todas somos canais. 

As minhas capas favoritas de disco são…

Jup do Bairro, do seu álbum Corpo Sem Juízo. Rito de Passá, da Mc Tha. Rastilho, do Kiko Dinucci e Do Cóccix ao Pescoço, da fabulosa Elza Soares. São esses mas com certeza devem ter outros muitos que amo e devo estar esquecendo agora.

Gostaria de compor uma track junto com….

Flora Matos, Black Alien e Edgar. O Edgar eu até já tenho falado sobre, logo menos pode ser que estamos por aí, desembocando em canções.

A última série que eu maratonei foi…

Veneno. Uma série espanhola, sobre uma travesti chamada Cristina Ortis ou La Veneno. A série conta com um elenco sensacional, com muitas pessoas trans e travestis, todas assim, belíssimas e reais. Um roteiro fantástico, lindo e muito cuidadoso, fotografia sensacional e uma trama envolvente, muito forte e complexa. As personagens são cheias de camadas e fazem com que nos identifiquemos com elas em algum nível. Muito inspiradora. A série foi o pontapé fundamental e a última gota que faltava para que eu decidisse botar os meus peitos.

As artistas que mais me influenciaram na decisão de fazer música foram…

Sem dúvida alguma, minhas parceiras e amigas, Liniker e Jup do Bairro. Eram pessoas que estavam próximas a mim e onde eu pude ver os diferentes sentidos que a música podia tomar. Eu morava com a Liniker e lembro quando ela cantou numa roda, se não me engano, na sala do apartamento 153 onde vivíamos. Ela e seu violão. Quando eu vi o que ela podia fazer com sua voz, como reverberava e atravessava as pessoas em sua volta, pensei “acho que eu poderia usar a música pra me comunicar e dialogar com as pessoas também”. Pensei que a música poderia servir para criar pontes. E com a Jup aprendi muito que a música não era só a nossa voz, mas o que queríamos dizer com a nossa voz. Aprendi que a música poderia ser o que eu quisesse que ela fosse. Que a música poderia ganhar outras formas, poderia gerar outros encontros, podia nascer da dissonância. Elas foram as que mais me influenciaram, e até hoje continuamos a fazer isso umas com as outras.

Meu lugar favorito no mundo é…

A minha casa. Sou canceriana e, não que eu me apegue a isso pra me justificar, mas tenho amado ter um lugar pra onde voltar. Meu refúgio, minha cama, meu cheiro, minha cachorra, minhas roupas, minha desorganização organizada. É onde me sinto segura e livre para ser quem eu sou.

Os discos que eu mais ouvi na vida foram…

Além do meu próprio disco, porque sim, sou minha maior fã, foram quase todos os álbuns de Sandy & Junior e o The Beyonce Experience Live Audio. Esse talvez seja um lado que nem todas conhecem de mim, porém amo!

O que faz um date ser inesquecível…

Eu não sou muito de dates, acho que não sou muito boa na arte da paquera. A pessoa não pode nem ser muito educada comigo que eu já imagino a gente se casando, no altar. Brincadeira, não é pra tanto! Mas talvez, quase. Porém, o que faz um date ser inesquecível é o olhar, a conexão, a entrega, a sinceridade e o cuidado com a outra pessoa. O date sem dúvida é mais importante que o “deite”. E para isso acontecer é necessário que haja conexão. Sentir o ritmo e a melodia que o encontro propicia.

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