The Clash: Londres Chama Há 35 Anos

Terceiro disco do quarteto londrino permanece com um dos clássicos do Rock

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Vamos supor que você tenha nascido na Inglaterra e estivesse com uns 16, 17 anos em 1979. É um país em transformação, para o bem e para o mal, uma vez que há um número crescente de imigrantes das antigas colônias britânicas chegando, principalmente da Jamaica, da Nigéria e da Índia. Famílias inteiras vêm destes lugares, com o objetivo de tentar a sorte na velha capital do Império. Não bastasse isso, você observa que as coisas tendem a piorar desde maio, quando Margaret Thatcher foi eleita Primeira Ministra pelo Partido Conservador. Os planos dela contemplam a redução das políticas sociais, a livre concorrência sem salvaguardas para as empresas locais, o que significa desemprego em pouco tempo. Ela também está irritada com a existência do salário mínimo e vai cortá-lo em pouco tempo. Você já pode sentir. E, finalmente, na música, aquilo que você mais gosta, cada vez mais amigos seus se encantam com a Disco Music mas ela não te atrai. O seu negócio é usar a velha jaqueta jeans com estampas das bandas que mais o agradam: Sex Pistols e The Clash.

Nesta época, de fato, o Punk Rock era uma realidade. The Clash tinha dois discos lançados nos dois anos anteriores mostrando uma nítida evolução. Aquela sonoridade enguitarrada, pungente, emoldurando letras de protesto e juventude, havia atravessado o Atlântico e chegado às cidades americanas. O quarteto formado por Joe Strummer, Mick Jones, Topper Headon e Paul Simonon empreendera sua primeira excursão pelos Estados Unidos, algo que modificaria sua carreira para sempre. Antes de cruzar o oceano, The Clash era uma senhora banda Punk mas nada além disso. Havia uma natural familiaridade com os sons da rua, o que significava o conhecimento por parte de seus integrantes dos chamados “soundsystems”, festas promovidas nos cafundós mais empobrecidos, nas quais a maioria negra dos frequentadores queria ouvir Reggae e suas derivações, como o Ska, por exemplo, além do Funk e do nascente Rap. Tudo era novo, a música jovem fervia nesses lugares mas, até ir para a América, The Clash não sabia o que era Rock.

Uma vez em solo norte-americano, a banda excursionou e se encontrou na estrada com um monte de artistas veteranos como os soulmen Sam And Dave, o bluesman Screamin’ Jay Hawkins e os punks novaiorquinos The Cramps, entre outros. Uma dessas turnês foi empreendida enquanto o grupo já se preparava para as gravações do álbum. Desalojados de seu estúdio original, os quatro músicos foram parar no Wessex Studios, com a produção de Guy Stevens, que determinara, entre outras decisões não ortodoxas, que as folgas das gravações seriam aproveitadas jogando bola. Para futebolistas dedicados como Strummer (torcedor do Chelsea) e Mick Jones (fã do Queens Park Rangers), estava perfeito. Pela influência da música americana e dos sons urbanos, London Calling surgiu como o grande álbum que o Punk poderia produzir. Sua variedade de estilos, contidos nas 19 faixas do disco duplo, ao contrário de descaracterizar a pegada sonora de The Clash, serve para conectá-la ao grande arquivo de sons do Rock negro ancestral. A atitude Punk da banda, sustentando as novas sonoridades, caiu como uma luva neste momento de unir o que estavam fazendo ali, naquele ano, com o que já havia sido feito ao longo da história do Rock. Isso era algo absolutamente novo.

O impacto que a juventude da época deve ter sentido ao ouvir a faixa título pela primeira vez deve ter sido imenso. O verso inicial “Londres está chamando o submundo, saiam daí, meninas e meninos, Londres está chamando, não olhem para trás”, funcionava como uma conclamação à juventude visando que esta se mexesse organizadamente contra tudo o que incomodava e/ou deveria ser detonado. Ao contrário do que parecia evidente desde o tal “Verão Punk” em 1976, havia agora um foco na revolta dos jovens, uma direção indicada, uma forma de pensamento se instalando e as canções de London Calling serviam como um balanço do que fora feito e sentido naqueles três anos e para onde iriam a partir dali. Além disso, elas constituem um instantâneo do país sob a mão de ferro de Thatcher em início de governo, pisando fundo nas conquistas sociais adquiridas desde o pós-guerra.

As próprias canções impuseram às bandas da época um novo padrão. Tudo era muito mais bem arranjado e tocado do que jamais fora. Há um abraço fraterno e caloroso à música negra londrina (Rudie Can’t Fail, Wrong Em Boyo e emblemática Guns Of Brixton) e à música negra americana tradicional, como Jimmy Jazz e Brand New Cadillac. Na capa do disco, a célebre foto de Paul Simonon quebrando seu baixo, além do título do álbum e do nome da banda, escritos com a mesma fonte e cores que estão estampadas no célebre primeiro álbum de Elvis Presley. Era um grito pras ruas, um grito pra história do Rock, um grito para si mesmos.

London Calling vendeu bem, fez sucesso, tocou nas rádios e foi aclamado na época como obra prima. Era a primeira vez que uma banda inglesa falava para sua plateia que ela poderia conseguir qualquer coisa, bastasse se organizar e debater. Tal atitude fez com que o público de The Clash aumentasse exponencialmente. Como resultado das andanças nos Estados Unidos, o desempenho também foi excelente por lá. No seguinte, Sandinista, álbum triplo, daria continuidade a este momento criativo, ampliando ainda mais o espectro sonoro do grupo, que passaria a se interessar mais e mais por sonoridades negras, como Hip Hop e o Funk. Depois de 35 anos, ainda há o chamado ao pensamento, à reflexão e ao entendimento, e boas trilhas sonoras cheias de conselhos sobre como agir diante dos problemas da vida. Quando tais dicas vêm emolduradas por espécimes sonoros da melhor qualidade, tudo fica mais fácil. Em outros três anos, a banda encerraria suas atividades, já imersa no mercado e na lógica da indústria musical da época. Podemos dizer que seu grande momento, seu topo da forma em termos líricos é London Calling, que ainda não tem uma ruga sequer.

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ARTISTA: The Clash
MARCADORES: Aniversário

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.