The Residents – A Doideira Anti-Pop Ao Alcance De Todos

Banda americana vem ao Brasil pela primeira vez

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Desde o início dos anos 1970 que The Residents vive à margem. Quando uso este termo, não falo de infringir normas sociais, mas de uma opção por não participar totalmente dos padrões vigentes em uma determinada lógica social e, a partir disso, estabelecer uma trajetória, digamos, própria e original ao mesmo tempo. Mesmo assim, a sociedade ocidental, sua cultura, seus artistas, seu cotidiano, seu tudo, são as inspirações que a banda utiliza em suas criações, todas elas amalucadas interpretações e ressignificações dentro dessa coisa de ver, sentir, pensar e não fazer igual a todo mundo a partir das mesmas informações. Ficou complicado entender? Simplifico: The Residents optou pela proverbial zueira, pela doideira que só uma coletividade surgida na Costa Oeste americana da virada das décadas de 1960/70 pode exibir e levar adiante.

Tudo começa pelo simples fato de que, até hoje, ninguém sabe os reais nomes de seus integrantes. Sério. Desse jeito, eu poderia ser um deles e você também. Ou não. Já são mais de 60 discos no currículo, numa carreira que já varou as quatro décadas de duração. O último, ao vivo, Shadowland, foi gravado em Nantes, França, em maio do ano passado. Com codinomes de Randy, Chuck e Bob, os integrantes subiram ao palco e fizeram a última turnê de uma trilogia de excursões pensada com vistas a celebrar os quarenta anos de carreira, comemorados em 2012. Apesar do formato de power trio e da abordagem de Pop Rock, as canções escolhidas falam de temas barra pesada, como morte, velhice e reincarnação, tudo ainda mais estranho e não-convencional, quando surge da verve desses sujeitos. Dá medo e curiosidade ao mesmo tempo. Já houve quem dissesse que The Residents e suas canções são personagens de algum filme B de terror, desses que encantam pelos motivos inesperados, que geram personagens onde não deveriam existir. Ocultos por máscaras, usando e abusando de efeitos especiais e vídeo em suas criações desde sempre, The Residents é o tipo de banda que grava o álbum de estreia e o remete pelo correio para gente como Richard Nixon e Frank Zappa em pleno 1972. É o equivalente a alguém fazer a mesma coisa com, vejamos, Angela Merkel, chanceler alemã e Prince, o recluso e genial anão púrpura de Minneapolis. É gente maluca, acredite.

Reza a lenda que o nome do grupo veio de um desses envios de álbuns devolvido pelo correio. A etiqueta dizia que a encomenda não foi entregue e deveria ser devolvida aos residentes do endereço de origem. Pegaram o nome daí e até hoje ele funciona, como se fossem parasitas bonzinhos num corpo cultural maior e que não os nota direito. Tiveram problemas com a justiça e sofreram processo da Capitol Records quando lançaram seu segundo álbum, Meet The Residents, cuja capa fazia The Beatles parecerem com Bizarro, aquele personagem que é uma cópia malfeita do Superman, habitante do Planeta Bizarro. Musicalmente não há qualquer parentesco entre as duas bandas, ainda que houvesse boatos que, devido ao anonimato dos integrantes, The Residents seria nada mais que os próprios membros do quarteto de Liverpool, ocultos, brincando com as fronteiras da música e da arte contemporânea. Se há alguma semelhança da sonoridade do álbum com algo da época, isso se dá com os primeiros trabalhos de Brian Eno e com o que The Mothers of Invention, o grupo do próprio Frank Zappa, fazia desde meados dos anos 1960. Ainda assim, não é fácil esmiuçar essa cumbuca, não.

Seu terceiro álbum, Third Reich’n’Roll, exibia capa com uma ilustração de Dick Clark, magnata das comunicações americano e apresentador do show American Bandstand, segurando uma … cenoura. . O resultado é tão estranho e com tanta pinta de pesadelo macabro, que tornou-se adorada por cultores do underground, punks, vanguardistas, vã guardistas e todo tipo de criatura não convencional. Este álbum continha dois medleys, um para cada lado do antigo vinil. O primeiro trazia versões, digamos, impressionistas e não-sutis para canções como Papa’s Got A Brand New Bag, de James Brown, enquanto o outro assombrava criações como Hey Jude (The Beatles) e Sympathy For The Devil (The Rolling Stones), fazendo os originais soarem como música sacra. Um ano depois, a polêmica cover que fizeram de (I Can’t Get No) Satisfaction, outro clássico de The Rolling Stones, tornou-se um sub-hit nos Estados Unidos e na Inglaterra. Mas a doideira não para por aqui. Eskimo, álbum de 1979, trazia cantos tribais de habitantes das regiões polares árticas, enquanto Commercial Album compila “momentos pop” da banda e só recebeu esse nome porque seus integrantes compraram horário em uma emissora de rádio para venda de produtos inexistentes e, em seu lugar, enviaram a fita com as canções do disco, para que fossem tocadas ao longo da programação, subvertendo expectativas, tirando sarro com as pessoas e soando como pais e responsáveis por gente como Devo e demais contemporâneos.

Nos anos 1980 fizeram uma trilogia de Rock Progressivo, forneceram material de vídeo para o nascimento da MTV, que usava em suas vinhetas trechos de pequenos filmes feitos pela banda. Mantiveram-se vivos durante tanto tempo sempre pela necessidade de expressar novos pontos de vista, tão estranhos e distintos da maioria que se tornam necessários, ainda que visitá-los e absorvê-los não seja uma tarefa fácil ou para se empreender o tempo todo. Mesmo assim, longe da paródia ou da crítica humorística, os álbuns de The Residents podem conter retratos poderosos da incapacidade humana de compreender e racionalizar tudo, enquanto não deixa de tentar. A meditação canto-falada de God In Three Parts, de 1988, é um bom exemplo do quanto essa abordagem crítica é séria.

Com o passar do tempo, era de se esperar que a banda desenvolvesse ligação estreita com a música eletrônica e computadores. O início dos anos 1990 trazem discos como Freak Show (1991), cujas canções foram executadas ao vivo pelos integrantes numa exposição de uma fábrica de componentes de informática, apenas para mostrar que suas máquinas eram capazes de fazer música. Com turnês de aniversário levadas a vários países, sempre motivadas e viabilizadas tendo em vista a grande quantidade de admiradores da proposta sonora de The Residents, além de uma admirável capacidade de renovação e exercício constante de criatividade, trouxeram a banda viva e relevante até aqui.

Em setembro, ao que tudo indica e com mais de 40 anos de atraso, The Residents trará ao Brasil um show de sua última turnê, a já mencionada Shadowland, na qual, além das canções soturnas sobre temas como morte e espiritualidade, a banda promete a exibição de filmes e clipes sobre o assunto. Se você entende a música Pop como algo maior que as possibilidades dispostas pela lógica comercial das paradas de sucesso e quer ver suas percepções desafiadas e colocadas à prova, um show de The Residents parece ser o melhor lugar para se estar.

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ARTISTA: The Residents
MARCADORES: Redescubra

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.