The Weeknd: O Passado Sempre Presente

Genealogia do R&B explica melhor som do cantor e produtor canadense

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Nem era preciso The Weeknd dar as caras por aqui – o que aconteceu no Lollapalooza de 2017 – para que soubéssemos de sua popularidade e relevância. O nome é a alcunha de Abel Makkonen Tesfaye, nascido em 1990 na cidade canadense de Toronto, filho de pais etíopes e cresce a cada dia, ocupando um confortável espaço naquele território estranho que é a fronteira entre o chamado mainstream e as sonoridades alternativas, modernas e importantes artísticamente. Abel/Weeknd é um vocalista, produtor, batedor de córner/cabeçeador que leva adiante uma sonoridade lenta, cinematográfica, malandra, sinuosa e outros adjetivos no gênero. Encanta o público com vocais agudos, batidas bem lançadas sobre uma base de teclados e climas, que encontram ressonância em vários artistas da música afro-estadunidense dos anos 1970 para cá.

Se você quer um caminho ideal para curtir a produção do sujeito, o terceiro álbum dele, Starboy, é o caminho mais recomendado. Nele você verá como Abel sabe usar samples de gente distinta de sua seara musical – tem até Tears For Fears em Secrets – além de convidar pessoas comprometidas com a causa, desde Daft Punk e Kendrick Lamar a outras nem tanto, caso de Lana del Rey. O disco tem vários momentos legais e o sujeito dá conta do recado em levar adiante o legado do Funk/R&B/Soul lento e sensual surgido na virada dos anos 1960/70. O pioneiro nisso foi Isaac Hayes, que gravou um álbum essencial para a vida humana e entedimento do que se chamou Soul Psicodélico, Hot Buttered Soul, em 1969. Ali, Hayes, que fora arranjador da gravadora Stax, tendo tocado e gravado com o Olimpo do estilo até então, propunha uma pergunta: “pra quê pressa, minha gente”? Com isso, ele esticou canções até o limite, enfiou arranjos de cordas, trechos falados, suspirados e fez história. Gente que você admira, como os ingleses Portishead deve a alma a este e outros álbuns de Hayes, tamanha a quantidade de samples que foram extraídos daqui.

Discípulos de Isaac Hayes e sua abordagem vieram logo após: Barry White foi o mais proeminente, calcando sua vitoriosa e sensacional carreira nos anos 1970/80 nos ensinamentos aprendidos, mas a ideia de Hayes ressoou em gigantes como Marvin Gaye e Smokey Robinson, que gravaram álbuns em meados dos anos 1970, mais precisamente, 1976, nos quais abusavam dessa estética: I Want You e Quiet Storm foram verdadeiros baluartes dessa história de sensualidade e Soul/Funk. Gaye, na verdade, já vinha de outro trabalho nesta linha, o lascivo e explícito Let’s Get It On, de 1973. Verdade que este subgênero lânguido e luxoriosamente orquestrado/pensado/arranjado passou a levar o nome Quiet Storm. Como a música negra dançante produzida àquela época – e antes, sempre – exalava revolução, agitação e, sim, sexo, tudo fez sentido e foi incorporado naturalmente, tanto que, poucos anos depois, Michael Jackson e Prince, herdeiros desta história, levaram suas versões desta sonoridade, cada um a seu jeito, a novos patamares. Com dança, produções ousadas, tino para emplacar hits nas paradas e muito talento, os dois – mais os nascentes rappers – levaram a música negra para o futuro do presente.

Quando chegaram os anos 1990, quando The Weeknd ainda usava fraldas em Toronto, uma galera liderada por nomes como Babyface, Teddy Riley, R Kelly, TLC, Boyz II Men, D’Angel e Maxwell, injetou beats sintéticos de estúdio numa via alternativa ao já dominante Rap, criando o que se chamou de R&B dos anos 1990. Este subgênero, muito ofuscado à época por conta da predominância do Rock, teve enorme força nas comunidades negras dos Estados Unidos, tornando-se muito importante. Aos poucos, espalhou-se para fora dos limites étnicos e atingiu as paradas de sucesso com grande relevância. É dessa galera que The Weeknd descende diretamente, mas ele também guarda muito das interpretações esclarecidas do Soul, Reggae e Funk dos anos 1970 feita por gente como Massive Attack, que injetou melancolia e contemplação enquanto levava os grooves originais para novos e novíssimos níveis de chapação e genialidade. Esta tristeza urbana essencial é uma das colunas vertebrais estéticas da música que Abel/The Weeknd faz.

Por essas e outras, quando ouvimos sua participação na trilha sonora de 50 Tons de Cinza – quando despontou para o grande público – ou o já mencionado Starboy, ou seus trabalhos iniciais, como o hit Wicked Games, de 2012, vemos um cara revisionista por definição, mas com uma imensa preocupação em levar seu som para o lado da originalidade. Seria bem fácil para um bom cantor/compositor como Abel criar canções preguiçosas mas cheias de bons refrãos e corinhos para serem cantados ao vivo. Ele faz o caminho inverso, esbanjando composições lentas, sensuais e cheias de efeitos vocais de estúdio – de ecos a afinações agudas – investindo também no ato de ouvir o trabalho com fones de ouvido, percebendo os detalhes. Ao vivo, em cima do palco, Abel atiça o público à comunhão, ainda que este crítico aqui prefira ouví-lo em disco.

Os últimos trabalhos do sujeito são a participação na trilha de Pantera Negra e o EP My Dear Melancholy, que já foi resenhado por essas bandas, sempre com atenção aos detalhes entregues por The Weeknd, mostram que Abel está em ascensão, com fome de bola, prestes a entregar mais um álbum com sua marca registrada, levando assim a inspiração de grandes mestres do passado, que se tornam presentes em sua música. Eles estão acessíveis como nunca, vá lá perceber o fio condutor unindo a todos. Você só tem a ganhar.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.