Travis: “Com o tempo, a melancolia começa a ir embora”

“L.A. Times”, 10º disco da banda escocesa, chega em julho; Fran Healy fala sobre o álbum e discute o que mudou (ou não) na sua forma de compor durante os mais de 30 anos de caminhada

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Fotos: Andy Swap

Uma melodia alegre com alguma ironia, uma bateria um tanto tensa e um “la la la” por cima de tudo isso: “Gaslight” é uma canção animadinha, mas algo desconfiada – não poderia ser diferente, já que ela comenta justamente o tema de seu título, ou seja, a manipulação psicológica em que uma pessoa faz outra duvidar da sua própria percepção, memória ou sanidade. E foi dessa forma que Travis decidiu anunciar seu 10º álbum, L.A. Times – um dos trabalhos mais pessoais da banda escocesa, segundo ela própria.

Após o carro-chefe do repertório, vieram a balada “Raze the Bar” e a sempre crescente “The River”, que confirmam essa proposta, cada uma a seu modo. A ideia estava presente também em vários momentos do que o vocalista Fran Healy contou ao Monkeybuzz em conversa por videochamada. Muito atencioso em suas respostas, mesmo com o breve tempo disponível, ele expressou como o que escutamos em suas faixas vem de um lugar de vulnerabilidade, ou mesmo de insegurança, na composição. Isso certamente contribui para a tônica pessoal do álbum, que chega ao mundo em 12 de julho.

L.A. Times é o 10 º disco do Travis. Parabéns! Você achava, no início da carreira, que chegaria à marca de 10 álbuns lançados?

Sim, com certeza. Lá pelo nosso terceiro disco, percebemos que faríamos uns 12 álbuns. Gostamos desse número, 12, porque são as horas em um relógio, os meses do ano… É um número bonito de se mirar. Se chegarmos ao 12º, ficaremos satisfeitos e, daí, vamos pensar aonde ir depois. Mas chegamos ao número 10, estamos quase lá.

Para você, é diferente a maneira como suas músicas nascem, os seus processos de composição, hoje, na marca dos 10 álbuns, em comparação a como você criava no passado?

É mais ou menos a mesma coisa. Quando vou compor, não acho que sei onde vou chegar. Não digo “hoje vou compor sobre um bar”, ou “sobre argila”, ou qualquer coisa assim. Sento e faço alguns barulhos com os instrumentos, às vezes esses ruídos me chamam atenção, às vezes eles vêm já com algumas palavras… As coisas vão aparecendo. Acho que o processo é o de desgastar o seu ego. Não sou um cara muito egocêntrico, sou bastante introvertido, mas todos nós temos um ego que desafia o nosso senso de identidade – em uns, mais do que em outros. Não sei se é humildade, mas eu só sento e escrevo, e nem sei se sou muito bom nisso. Acho que ajuda ter uma autoestima baixa, porque eu conheço gente que escreve alguma coisa e pensa “uau, eu fiz uma música!”, e essa sensação faz com que eles achem que fizeram algo bom. E na maior parte do tempo, o que nós fazemos é mediano. Então, acho que se você tem o crivo alto e a autoestima baixa, as coisas têm que ser muito, muito, muito boas para me agradar. Mesmo neste novo álbum, eu duvidei se essas canções eram boas o bastante. Isso me preocupava antes, mas não ligo mais. Já aprendi que meus autores favoritos são assim também: John Lennon, quando compôs ‘Imagine’, perguntou ao fotógrafo da NME se era uma música boa. “Imagine”! E esse é um bom lugar para se começar a compor, e isso nunca mudou.

“Com o tempo, a melancolia começa a ir embora e dá espaço para a alegria. Mas há um equilíbrio também – a música pode ser melancólica e, ao mesmo tempo, te animar”

Agora que você tocou nesse assunto, me veio a dúvida: quando você faz uma música com grande vulnerabilidade, você tem uma tendência maior a gostar ou a não gostar dela, justamente porque ela te coloca em um lugar muito vulnerável?

Interessante, nunca pensei nisso. Acho bom ter um espaço de tempo para avaliar a qualidade, quatro anos entre compor e gravar é uma boa quantidade. Eu componho e sei que aquilo ali talvez seja uma boa música. Guardo a gravação e coloco a composição também em um “arquivo” da minha memória. Vou lá viver minha vida, levar o filho para a escola ou o que quer que seja. Se seis meses depois a música ainda me desperta algum interesse, eu escuto novamente e avalio se ela ainda é boa, vejo se ela ainda tem “pulso”, se ela ainda está viva. Passam mais seis meses e repito o processo. Às vezes, é aí que eu falo “essa não é boa não, é uma merda” e jogo ela fora. Ou é quando eu decido guardá-la por mais alguns meses e vejo o que fazer, se ela merece ser gravada ou se preciso recomeçá-la. Se você fizer isso com todas as suas ideias, você vai encontrar o que tem de melhor na sua produção. Sei que fotógrafos fazem isso também, tiram mil fotos para ter 10 boas. A maioria é sempre mediana. Se você tirar fotos o bastante, ou fizer muitas músicas, uma delas será acima da média.

A maneira como você compõe pode não ter mudado, mas tenho a impressão que suas músicas ficaram mais leves e diretas com o tempo, um pouco menos melancólicas. Que você acha?

Humm, talvez, acho que sim. Acho que, quando você compõe, ainda mais no começo de carreira, sempre que você quer exprimir aquilo que está dentro de você, as emoções que estão presas, as suas palavras saem já com algum tom, talvez em um grito. Acho que você tem razão, com o tempo a melancolia começa a ir embora e dá espaço para a alegria. Mas há um equilíbrio também, a música pode ser melancólica e, ao mesmo tempo, te animar. Algumas das minhas canções têm esse senso de humor, como “Selfish Jean”, “All I Wanna Do Is Rock”, “Gaslight”… Todas elas têm um quê de ‘foda-se’ [risos], de um rock mais melódico.

“O processo é o de desgastar o seu ego. Não sou um cara muito egocêntrico, sou bastante introvertido, mas todos nós temos um ego que desafia o nosso senso de identidade – em uns, mais do que em outros. Não sei se é humildade, mas eu só sento e escrevo, e nem sei se sou muito bom nisso”

A maneira como você compõe pode não ter mudado, mas tenho a impressão que suas músicas ficaram mais leves e diretas com o tempo, um pouco menos melancólicas. Que você acha?

Humm, talvez, acho que sim. Acho que, quando você compõe, ainda mais no começo de carreira, sempre que você quer exprimir aquilo que está dentro de você, as emoções que estão presas, as suas palavras saem já com algum tom, talvez em um grito. Acho que você tem razão, com o tempo a melancolia começa a ir embora e dá espaço para a alegria. Mas há um equilíbrio também, a música pode ser melancólica e, ao mesmo tempo, te animar. Algumas das minhas canções têm esse senso de humor, como “Selfish Jean”, “All I Wanna Do Is Rock”, “Gaslight”… Todas elas têm um quê de ‘foda-se’ [risos], de um rock mais melódico.

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ARTISTA: Travis

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.