Um best-seller só pros Beatz do Coyote

Um dos beatmakers mais prestigiados da atualidade, o mineiro fala sobre a parceria com o DV Tribo, a influência do skate, planos pós-pandemia e o que mudou na sua vida após ouvir o clássico “Protect Ya Neck”

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Fotos: iulle

É improvável – para não dizer impossível – gostar de Rap nacional atualmente e não conhecer Coyote. Ou seus beats. O vulgo do DJ e produtor musical ganhou projeção no imaginário do público pela parceria com Djonga, mas a lista de colaborações é extensa e prestigiosa, com nomes como Emicida, Hot e Oreia, Rashid e FBC. Paulo Alexandre, de 32 anos, passou 2019 quase todo na estrada com Djonga, em turnê e a diferença de ritmo de 2020 acertou o produtor belo-horizontino em cheio. Mas, para quem considera criar música uma felicidade inexplicável, tem sido um prato cheio: somente nesses meses de pandemia, Coyote diz já ter produzido quase o dobro de material do ano passado.

“Quando eu faço uma música nova, é quando mais me sinto feliz — fazer um beat foda, encontrar um sample. Estou aqui ouvindo uma música e acho um pedaço que dá para criar outra coisa e essa outra coisa acaba virando uma outra música, que vai para outros lugares. Acho muito foda esse poder que a música tem de deixar as coisas mais especiais”, diz o artista. O skate foi fundamental para a formação musical de Coyote, mais precisamente, as trilhas sonoras dos vídeos de skate e também o que se ouvia nas pistas — o Rap sempre esteve lá. Wu-Tang Clan, NWA, Public Enemy, Nas, Jay-Z e The Pharcyde figuram nas memórias de infância.

Na sua família, todo mundo anda de skate. Quando chegava nas pistas, com pais e irmãos, a galera brincava “Olha aí os coiote chegando”. Como ainda não tinha apelido, adotou Coyote para os campeonatos. “Quando meu irmão voltou da primeira viagem dele na gringa, ele trouxe um CD de Rap. Tinha um nome de um skatista que era Chad Muska, só que ele colocou na coletânea Muska Beatz”, relembra Paulo. “Como eu já ia para a pista de skate, gravava CD e colocava para a galera ficar ouvindo na sessão, comecei a assinar: Coyote Beatz. Ah, agora tenho que começar a fazer beat, fica assinando beat e não fazer beat não faz sentido”, brinca o produtor, homenageado recentemente no minidocumentário “E AÍ COYOTE”, dirigido por Túlio Cipó.

Além de suas participações em Histórias da Minha Área (2020), de Djonga, EGO (2020), de Doncesão, e Crianças Selvagens (2020), de Hot e Oreia, Coyote lançou uma seleção de seus beats em parceria com o Djonga, o Best-Seller of Donga (2020). Aqui, um dos nomes mais quentes da atual safra de beatmakers nacionais conta um pouco de sua trajetória, as principais referências e planos. Pela videochamada, dava para ver o pôster do Wu-Tang Clan na parede e um móvel com oito fileiras de discos, incluindo Enter The Wu-Tang (36 Chambers) (1993), Illmatic (1994), Only Built 4 Cuban Linx… (1995) e Piñata (2014)…

 

 

Como você começou a produzir?

Foi com o Fruit Loops no finalzinho de 2005. Eu morava em Curitiba e lá chove muito, faz muito frio, então tinha dia que não saía para andar de skate; eu ficava muito em casa e era adolescente, foi o comecinho da gente começar a ficar muito tempo no computador, com ICQ, MSN, essas coisas. Como eu não curtia muito videogame, quis procurar alguma coisa relacionada à música, fazer umas músicas de bobeira. Comecei a gravar os beats no CD e levar para pista [de skate]. Meus amigos começaram a curtir e pedir o beat para colocar no vídeo ou para ouvir mesmo. Quando eu fui ver, estava recebendo propostas para vender beat, MC querendo cantar. Já era uma parada que eu gostava de fazer por hobby e vi que dava para ajudar em casa vendendo beats. Voltei a morar em BH e comecei a ralar no estúdio, aprendendo a mexer com cabo, programa de música, microfonar as coisas. Nessa, surgiu um convite do selo do estúdio em que eu trampava na época — comecei a me profissionalizar, gravar, ouvir a música com qualidade, isso foi em 2009 ou 2010. Nunca mais parei.

De volta a BH, Palácio das Artes, 2009

“Rolou uma batalha de beat aqui na cidade muito foda que não foi só uma batalha de beat, teve todos os elementos do Hip Hop envolvidos. Eu tinha acabado de voltar a morar em BH, muita gente me conhecia do skate e não sabia que eu estava envolvido com música. Consegui fazer uma sessão daora e pude mostrar meu trampo. Foi muito emocionante, estava com toda a minha família. Foi no Palácio das Artes, que é meio que um santuário da música aqui, Milton Nascimento já cantou lá. É um espaço muito foda de Minas Gerais e foi onde eu cheguei com dois anos de produção só. Caralho, que foda poder tocar uma música nesse palco, que é sagrado, fraga? Estava lotado e foi o primeiro evento grande fazendo beat ao vivo; pra mim, como produtor, foi essencial.”

5 meses em São Paulo, 2012

“Saí com uma mala cheia de roupa, sabendo que ia ficar um tempo, sem saber quanto. Computador e poucos contatos, mas para os contatos certos para fazer acontecer. Fiquei na casa do Rodrigo Ogi alguns meses. Levei uns 100 beats no computador e já tinha em mente para quem eu queria oferecer. A gente foi na casa do Rashid, o Shawlin morava em São Paulo, fui na casa dele, fui no Laboratório Fantasma conhecer o Emicida, conheci o Rael também, conheci muita gente foda. Se eu não estivesse com o Ogi do meu lado, seria muito difícil de chegar. Ele tinha acabado de lançar o álbum de estreia dele também. Conheci o Henrique Fuentes, que tinha um grupo com o Ogi, o Marreta Records. Os caras me ajudaram muito, me levaram para conhecer a galera e eu já levava os beats”.

2013, o ano do Coyote

“Nessas idas nasceram várias músicas importantes da minha carreira. “Virando a Mesa”, do Rashid, que foi meu primeiro milhão de plays, “Papel, Caneta e Coração”, do Emicida. Saiu tudo de uma vez, em 2013, e foi importante para caramba ter lançado singles, trabalhar com MC e conseguir lançar single, videoclipe. Para um produtor musical é um passo muito grande. Foi daora para a cena daqui também, deu para abrir uma porta. A galera viu que é possível. Foi uma meta que eu coloquei na minha cabeça: preciso ir para São Paulo, produzir umas músicas que vão aparecer no cenário. Queria mostrar meu trampo, né? Levava no iPad o melhor beat para o cara, dava um fone para ele escutar na hora. Fui preparado e sabendo onde eu podia chegar com a minha música”.

(Foto: Bruno Figueiredo)

Como rolou o primeiro contato com o Djonga?

Foi em 2012. Ele começou a colar em um sarau em BH e, por acaso, quem faz o sarau é o Hot. Essa época eu e o Hot andávamos juntos, praticamente todo dia. Ele tava sempre em casa produzindo comigo, cantando em cima dos beats, aquela coisa de comecinho de carreira mesmo. Eu e o Hot começamos a fazer muito show em BH, surgiu a oportunidade de precisar de alguém para fazer as dobras no show, cantar também. Nessa, o Hot conheceu e trouxe o Gustavo para cantar nos shows. Em 2015, eu comecei a morar com o Hot, montei o estúdio já de cara no meu quarto. Surgiu a ideia de montar um grupo e DV Tribo começou assim. Dali pra cá, sempre fazia show com Hot, FBC ou com a Clara, fui fazendo mais show com Djonga até que, em 2017, comecei a tocar só com ele. Antes disso, tinha feito um ano com o Shawlin — foi em 2016, as coisas passam rápido, né? Isso foi bom porque eu consegui montar um estúdio, comprar microfone, ficar mais por conta. Porque a gente mexia com música toda quarta-feira neste apê. Comecei a produzir o trampo solo de cada um e o do Djonga teve uma repercussão muito foda.

Discos de Platina e Platina Dupla

“Os discos do Djonga ganharam o Disco de Platina e Platina Dupla… Para mim, o mais especial foi O Menino Que Queria Ser Deus. Foi numa época que eu estava num estúdio, tinha até a chave do estúdio, total acesso, então a gente conseguiu fazer as sessões do álbum à noite. Chegava 19h e saía de madrugada, foi a primeira vez que eu controlei uma mesa, gravei o Djonga, a gente teve um espaço para poder ter ideias, experimentar coisas novas. Foi um álbum muito foda. Na parte de produção, eu evoluí muito do Heresia até esse álbum, pude testar outras coisas. Heresia e O Menino que Queria Ser Deus saíram na mesma data, um ano depois, foi legal, porque a galera não sabia quando ia sair e, como produtor, ter feito todos os beats, gravado, feito a pré-produção e chegar onde chegou — show, reconhecimento, premiação, galera curtiu muito esse álbum. Tenho orgulho de olhar para trás e ter noção do tamanho do que foi pra gente”.

Me fala uma música que você gostaria de ter feito.

“Protect Ya Neck”, Wu-Tang Clan. Eu lembro muito de pista de skate, ouvia e ficava impressionado: que música é essa? Maior bate cabeça o tempo inteiro, cada MC canta diferente, cada um fala de uma coisa, mas ao mesmo tempo está tudo ligado. No DV Tribo, eu tinha muito essa linha da gente fazer umas músicas mais cruas, sem refrão. A primeira música foi bem isso, “Kichute”.

Três discografias que quem quer produzir Rap tem que ouvir.

James Brown: um dos maiores artistas de todos os tempos. Ele é bom para você aprender a samplear, entender groove, musicalidade, música lenta, música agitada, tem tudo.

A Tribe Called Quest: para quem quer fazer beat de Rap é uma escola perfeita. Porque eles sampleam muito Jazz, Soul, está até ligado com o James Brown. Você tem que pensar que o beat tem que ser bom para o DJ tocar e para o MC cantar, desenvolver o flow. Pode tocar numa festa bombada, na rádio e no underground também.

Wu-Tang Clan:  se somar com os álbuns solos dos integrantes, você tem muita opção boa. Os caras começaram muito a usar colagem de filme, de desenho animado na música. Criaram uma atmosfera de interlúdio, dessa ligação entre as músicas.

Qual foi o melhor show que você já foi?

Ah, foi um em São Paulo. Mos Def e Talib Kweli, no centro, na Virada Cultural. E depois do show deles teve a banda original do George Clinton, Funkadelic — aconteceu em 2015. E no outro domingo teve Racionais MCs, no mesmo lugar. Fechou o final de semana.

Qual é a próxima meta do Coyote?

Viajar muito para fora do país depois que acabar a pandemia. Ir para os Estados Unidos, conhecer o Brooklyn, Queens, Bronx — a essência do Rap, do Hip Hop. Conhecer novas pessoas, novos lugares, beber da fonte, do comecinho de tudo. Viajar o mundo com a minha música.

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