Um Mix de Tom Moulton

Demos uma revisitada na história de uma das figuras mais importantes do disco, devido ao lançamento de sua nova coletânea

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Alguém entra numa boate no início dos anos 70. Olha em volta, observa as pessoas, checa as possibilidades de drinks e decide analisar a pista de dança. Tudo bem, gente bonita rodopiando aqui e ali, música negra tocando e um “disk jóquei” que mantém-se sintonizado com o que há de mais moderno e legal nas paradas de sucesso, ou seja, em termos de early seventies, canções que mostram uma evolução em termos estéticos do Soul/Funk de Motown e Philadelphia International. O problema, pensa Tom Moulton, que acabara de entrar nesse lugar em Long Island (Nova York), o Fire Island, é que, ao fim de cada música, o DJ precisa trocar o disco e há uma evidente perda de entusiasmo entre as pessoas. Além disso, quem pode garantir que a canção seguinte vai segurar a animação delas?

Thomas Jerome Moulton, empregado da indústria musical em setores secundários, modelo free lancer e fã de música negra, pensou numa solução ali mesmo, em meio ao frenesi do ambiente: por que a música precisa acabar tão rápido? Com essa ideia na cabeça, Tom foi para sua casa e pensou no assunto. Decidiu fazer uma fita de 45 minutos para provar sua teoria de que a música não podia parar, precisava manter-se tocando enquanto houvesse gente na pista. Para obter esses preciosos 3/4 de hora em forma de música dançável, Tom empreendeu um esforço de 80 horas emendando partes, suprimindo e adicionando trechos, buscando detalhes do instrumental das canções, até chegar no resultado final.

A fita de Tom foi parar num outro lugar, o Sandpiper, e o sucesso se traduziu num telefonema rececido na madrugada, através do qual Tom foi avisado do furor que sua fita causara entre os frequentadores, que pediam, clamavam por mais. Ele não sabia, mas havia concebido e inventado o “megamix” ou “medley” ou mesmo “pout pourri” ou, na melhor das hipóteses, descoberto uma maneira de tornar viável uma música pop, dançante, de matriz negra e com duração triplicada, ideal para festas que varam as noites. Tom Moulton havia descoberto, praticamente, a disco music em muitos aspectos. Em pouco tempo, mais precisamente em janeiro de 1975, Tom participaria do primeiro disco em que este conceito seria aplicado, Never Can Say Goodbye, de Gloria Gaynor. O primeiro lado do álbum fora gravado como um megamix, no qual as três canções que o compunham, Honey Bee, Never Can Say Goodbye e Reach Out I’ll Be There, foram entrelaçadas, sem que houvesse intervalo entre elas. Surgia aí o título de “pai do megamix” ou “inventor do remix”. DJ’s de todas as tendências são devedores em relação a esta criação.

Tom Moulton ainda seria responsável por outra invenção, o acetato de 12″, que surgiu por acaso como formato viável para comportar gravações de maior duração da mesma música, sem que houvesse espaço para intervalos ou quebras de ritmo. Em plena década de 1970, contando com a tecnologia analógica de fitas magnéticas, Tom demorava mais de 24 horas para conseguir finalizar um Tom Moulton Mix, ou seja, uma de suas criações, batizadas com essa etiqueta para significar esforço, maestria e dedicação, segundo o próprio Tom disse em entrevistas ao longo do tempo. O grande momento de Tom foi junto ao selo Philadelphia International, no qual tinha liberdade para mexer e remexer nos principais sucessos dos contratados. Logo estava assumindo posto no selo Salsoul, uma espécie de “selo irmão” do Philadelphia Internacional, que contava com os mesmos músicos e compositores, além do Bethlehem Jazz. Em ambos os selos, Moulton supervisionou e conduziu remasterizações e atualizações dos catálogos, trabalho que – somado à importância de sua carreira – o levou para o Dance Music Hall Of Fame em 2004. Além da carreira como “remixer”, Moulton também produziu discos, com destaque para os três primeiros de Grace Jones, Portfolio (1977), Fame (1978) e Muse (1979), incluindo o maior sucesso da carreira da cantora jamaicana, sua revisão de La Vie En Rose.

É possível encontrar vários exemplos da maestria de Tom Moulton em coletâneas lançadas ao longo do tempo. A mais recente é Philadelphia International Classics – The Tom Moulton Remixes – que traz quatro CD’s repletos das melhores releituras de canções imaculadas do selo. Se você gosta de música para dançar (Moulton não gosta do termo dance music), precisa conhecer a obra desse gênio.

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ARTISTA: Tom Moulton

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.