Vamos pra Rua

Banda de Recife comenta seu trabalho coletivo no excelente disco “Limbo”

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Rua é um espaço de trânsito, o endereço para um compromisso ou para chamar de lar. Pode ser também um ponto turístico que você não pode deixar de ver ou uma referência para o que está por perto. Seja qual for o caso, é sempre um espaço de convivência, de fluxos e contrafluxos, vais-e-véns. Com uma banda chamada assim, não poderia ser diferente. A mais desatenta das audições de Limbo já conseguiria enxergar isso.

“Acho que faz parte mesmo da política da banda”, contou o vocalista Caio Lima ao Monkeybuzz, “essa questão de trabalhar a polifonia, por exemplo, não surge porque estamos buscando uma polifonia, mas porque ouvimos todas as vozes, todas são importantes”. Durante toda nossa conversa, essa me pareceu a que melhor explica o espírito com que a banda Rua trabalha.

Rua – Febril

Os quatro (Nelson Brederode, Hugo Medeiros e Yuri Pimentel, além de Caio) vieram à redação durante uma passagem por estes cantos do Brasil mais distantes de sua Recife natal e foi curioso notar que a dinâmica entre eles pessoalmente é muito parecida com a do disco: Todos tem o que falar, todos deixam claro como acrescentam no som. Além disso, tudo ali é muito bem pensado e nada é feito apenas por intuição – novamente, como o álbum sugere.

Uma das primeiras coisas que conversamos foi sobre como suas músicas parecem ser criadas nessa coletividade, com os músicos concentrados em estúdio, como se um embrião fosse desenvolvido por todos ao mesmo tempo. Propus essa minha impressão e todos confirmaram. “As partes são criadas autônomas e depois, na análise, a gente vê que tem alguma coisa minha, do baixo de Yuri e na forma dele pensar a letra”, exemplificou Caio, ““e se chega também a este lugar da confusão, em que não se sabe mais o que é de quem”.

“Todas as vozes são equiparáveis”, diz Hugo, o baterista, ao que o vocalista completa: “Como se a gente fosse construindo espaços e eles tenham funções semelhantes, não hierarquias, e essa conversa continuar existindo, continuar acontecendo”.

Rua – Ortopedia

Após a estreia com Do Absurdo, Limbo é seu segundo álbum, um trabalho cheio de poesia e vida, fruto desse trânsito de diálogos e, principalmente da polirritmia que tanto caracteriza a banda. Ela é “o embrião de ideias”, segundo Hugo, “porque, no próprio modo de fazer a polirritmia que a gente trabalha, ela já implica que cada voz vai ter diferentes tamanhos, então cada uma vai ter sua importância e não vai ter uma principal”, enquanto cada timbre encontra seu próprio andamento dentro do todo.

Outra particularidade muito interessante sua é a presença de Bruno Giorgi e Diogo Guedes como parte integral do conjunto por seu trabalho comandando a dinâmica do som durante os shows.

Uma conversa com Rua implica em falar de arte usando filosofia e toda ideia que dê conta de debater sobre um trabalho tão rico. Parte de suas raízes artísticas tão desenvolvidas vem dos muitos trabalhos em parceria com um coletivo de dança (Lugar Comum), o que faz com que a banda tenha que pensar sua música em diferentes atmosferas e propósitos, o que também serve de combustível para novas ideias. Como Hugo conta, “nossa relação com a dança tem esse questionamento da escuta. A gente tem batera, baixo, cavaco e voz e um buraco no meio que a gente deixa como um espaço pro cara ouvir”.

“O que a gente gosta de escutar são sons que tem identidade, que trazem uma coisa nova, que proponham uma coisa nova”, comenta Yuri, “é isso o que a gente quer fazer também”. E é por essa ambição que o grupo conseguiu criar um dos trabalhos mais interessantes e impressionantes do ano, que chega aos nossos ouvidos como um ambiente preenchido por timbres transeuntes, mas sempre com espaço para a convivência de novas ideias e percepções.

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ARTISTA: Rua
MARCADORES: Entrevista

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.