Yearbook of Techno: Ana Giselle/TRANSÄLIEN

A performer pernambucana é mais uma aluna da “Escola do Techno”

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Fotos: Eduardo Urzedo/Monkeybuzz

Ana Giselle aka TRANSÄLIEN, 23 anos, pernambucana, é tímida apesar da aparência e ama ficar sozinha.

Daqui dez anos, eu…

Não tenho muitas pretensões quanto ao meu futuro, mas gostaria de ver um Brasil menos transfóbico e genocida, continuar viva e prosperando junto a minhas irmãs travestis. Gostaria de não ceder no percurso, de poder olhar para dentro e sentir que me tornei uma versão melhor e mais sábia de mim mesma. Ah, espero que daqui até lá eu tenha conseguido me tornar vegana também. 

Se eu pudesse escolher um poder seria…

O primeiro que me vem à cabeça é o poder de voar, mas isso eu sinto que já faço. Queria que não precisássemos de poderes, talvez já tenhamos tudo que é necessário dentro de nós, só precisamos aprender a explorar e expandir. 

Se eu fosse dominar o mundo…

Acabaria com o maior mal da humanidade que é a religião. Faria as pessoas entenderem que nós devemos confiar em nós mesmos ao invés de entregar a nossa vida, nossa fé e esperança em outrem relação que por si só já é hierárquica e geralmente cega. Acredito que todos os infortúnios do mundo se originaram a partir da bíblia, em nome de um deus. Mas acho que implodir a Terra e começar tudo do zero em Plutão seria mais fácil.

No meu baile de formatura eu quero entrar com…

Comigo mesma. 

E na entrada do baile eu quero ouvir…

O meu hino, “Máscara” da Pitty. Admirável Chip Novo foi o primeiro CD que comprei na vida e quando ouvi essa música tudo fez sentido pra mim, era o que eu sentia, o que eu queria dizer. Podem achar contraditório pela letra falar ”tira a máscara que cobre o seu rosto”, mas no meu caso, tirei a máscara da heteronormatividade para assumir o meu verdadeiro jeito de ser, através das máscaras que escolhi pra mim mesma, sendo estranha, sendo Transälien.

O meu look perfeito do baile seria…

McQueen ou Iris Van Herper, com certeza. Mas também ficaria feliz com um look das minhas amigas incríveis Alma Negrot ou Vicente Perrota.

E vou servir o ponche batizado para…

Os políticos, um ponche-poisoned. 

Na Escola do Techno o meu grupo é…

Todas aquelas que foram impedidas de entrar ou permanecer nela. Construiria a nossa própria escola, onde não precisássemos nos segregar em grupos, onde nossa existência fosse livre e inegociável. 

O maior mico que eu já passei em uma festa foi…

Em 2016 quando fui tocar numa festa, minutos antes de começar o set usei uma substância que me deixou tão fora de si que simplesmente não consegui fazer nada, fiquei sentada atrás da pickup enquanto uma amiga tocava por mim. Fiquei bem mal depois disso por não ter conseguido cumprir com o meu dever, desapontado quem tinha ido só para me ver tocar. Entendi ali que precisava ser mais responsável. Nesse mesmo dia fui a festa com uma antena parabólica que havia achado na rua e por algum motivo desconhecido ela ficou dando interferência no som. Posteriormente, acabou virando zoação entre meus amigos, que passaram a chamar o ocorrido de performance sonora.

O clube que eu fundaria na Escola do Techno…

Seria o que existisse igualdade, equidade salarial, respeito e valorização independente de cor, gênero, fama ou status social. Onde houvesse não só espaço, mas um tratamento justo e digno para a arte periférica, travesti, onde houvesse liberdade… mas iniciativas como a Coletividade Namíbia, MARSHA!, Animalia que já existem e lutam por tudo isso. 

Eu sou o orgulho da minha família e dos meus amigos, porque…

Sou uma travesti, negra e nordestina que saiu de Camaragibe para fazer a diferença sendo diferente, estranha, mascarada, contrariando estatísticas, vivendo do que gosta de fazer, sendo verdadeira e honesta consigo mesma. Sinto que a minha existência movimenta outras vidas ao meu redor e esse é o meu maior combustível, meu maior orgulho. Sou o orgulho da minha mãe e de mim mesma, isso basta.

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