Yearbook of Techno: Rodrag

A performer paulista é mais uma aluna da “Escola do Techno”

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Fotos: Eduardo Urzedo/Monkeybuzz

Rodrag, 29 anos, de Araraquara, apesar de ser alta, calça 39.

Daqui dez anos, eu…

Não me imagino. Se eu tiver que imaginar, prefiro morta. Dentro de todos os meus campos de existência, eu estou em função de aterramento, minha energia é terra. Então, esse elemento me impede de pensar no futuro. Eu não cogito nunca o futuro. Ele não me interessa. Gosto de usar a energia do passado apenas como arquétipo de ferramenta.

Se eu pudesse escolher um poder seria…

Eu tenho todos que queria, mas acho que talvez brotar uma asa real. Voar eu voo, mas de repente ter um elemento da asa seria interessante. Enquanto estou em estágio performático ou em meditação, eu estou voando, entende? Já sinto isso. 

Se eu fosse dominar o mundo…

Explodiria ele, com certeza. Mas, se não pode ter essa oportunidade, só tiraria a hierarquia, mesmo. Destruiria a hierarquia psíquica, que vem antes da social. Desmataria como nós nos vemos, deixaria o caos acontecer. Acho que assim a gente ia dar um jeito. Explosão para mim é a mesma coisa que nascimento, destruição é a mesmo que um novo lugar.

No meu baile de formatura eu quero entrar com…

Todas as travestis. 

E na entrada do baile eu quero ouvir…

Pra bugar mesmo, acho que uma dança do sol de Hécate, que é um dos meus iniciais de meditação. Entraria com ele em um remix de Funk. Ele é uma melodia de mantra para a Hécate, bruxa e deusa. Eu criaria esse bafo. Tem que ser uma música que já existe? Pode ser “Crazy in Love” de Beyoncé, então!

O meu look perfeito do baile seria…

Nua. 

E vou servir o ponche batizado para…

Os primeiros fracassados da minha vida, os meus pais. Com certeza, para eles sentirem prazer um pouquinho. 

Na Escola do Techno o meu grupo é…

Um misto de todos eles. Consigo permear todos os grupos. Mas o meu pertencente no íntimo é o renegado, é a Carrie. São todos os que não estão sendo aclamados, todos os corpos que não estão sendo respeitados. Embora não pareça, esse é o meu pertencente. Mesmo hoje, eu sendo uma artista que está nos lugares e geral quer falar, ainda me sinto um pouco assim. Saí do espaço de negação para exotificação.

O maior mico que eu já passei em uma festa foi…

Uma vez eu caí no banheiro químico. Na verdade, o mico começou bem antes. Estava usando uns anéis de led e tinha uns corpos padrões na minha frente debochando de mim. Eu soquei os leds no cu, e aí eu tinha que tirar. Não consegui e fui até o banheiro. Tirei e caí no banheiro químico que estava recheado de restos humanos. Estava de salto, semi-nua, sozinha e caí, bem bonita. Fedeu horrores. Com aquele cheiro nojento em mim, tive que sair e entrar em um carro. Do caixa até o táxi, várias pessoas vieram me dar tchau para dizer que eu estava linda, e se depararam com a porra do cheiro. Foi uó.

O clube que eu fundaria na Escola do Techno…

É um dispositivo que acontece na nossa mente que consegue parar o pensamento vicioso. Ele faz esse pensamento ficar surdo. Eu percebo o quanto isso é favorável dentro da música eletrônica. É um pensamento vicioso, não para drogado, não para dormindo, sóbrio. Tem um momento que o cérebro consegue fazer isso. Geralmente, são as pessoas que estão minimamente alteradas que chegam nesse lugar. Por isso que eu gosto de fazer apologia com aditivos; eles são curas além de toxinas. O sistema não fala sobre isso, mas fala sobre o nosso açúcar que é maravilhoso (só que não). O pensamento se ausenta do corpo, fica um vazio e um silêncio dentro da mente. E acaba vindo para o corpo também, a pessoa fica estática. Quando ela volta disso, eu percebo que ela volta com um prazer incrível, não está tão cansada quanto ela achava. Queria deixar o legado da liberdade. Usamos a balada para nos ausentarmos desse lugar imposto pelo sistema, mas isso também é uma mentira. Lá a gente também enfatiza isso, a gente também chora e briga. Mas por quê? Porque a gente está trazendo tudo. A maioria das pessoas ainda não sabem se ausentar desse lugar.

Eu sou o orgulho da minha família e dos meus amigos, porque…

Não sou o orgulho da minha família. Eu sou dos meus amigos, embora eu cague para tudo isso. O melhor e unicamente importante para mim é me tornar o orgulho de mim mesma. Sou dos meus amigos porque eu me tornei constantemente um corpo que propaga possibilidades de existência. Consigo pegar tudo o que me deram e transformar em coletividade. Eu sou com todo mundo, com tudo que está em volta de mim. Me torno orgulho de mim mesma porque eu poderia estar como está a minha família, estar como está a nossa sociedade individualista e fracassada. O indivíduo individualista é fadado ao fracasso e ele pode morrer inclusive rico. Eu sou muitas.

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ARTISTA: Rodrag