Resenhas

Marcos Valle – Cinzento

Pouco tempo depois de seu recente “Sempre”, o artista chega menos dançante e mais reflexivo

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Ano: 2020
Selo: Deckdisc
# Faixas: 12
Estilos: Funk, Jazz, Bossa Nova
Duração: 49’
Produção: Marcos Valle

Pouco mais de seis meses se passaram desde o lançamento de Sempre (2019) para que Marcos Valle aparecesse com um novo disco de inéditas. Cinzento, lançado na segunda semana de 2020, apesar do título, reflete uma explosão criativa solar e em constante renascimento. Aos 76 anos, um dos filhos da Bossa Nova que mais expandiram seu gênero fundador se junta a novas gerações, despluga consideravelmente os sintetizadores e reflete sobre amor e política – assunto que, principalmente quando falamos de Marcos Valle, não impede a criação de harmonias dançantes e solares.

A abertura com “Reciclo” mostra a aliança entre preocupação e otimismo que percorre o conteúdo álbum, amparada pela combinação bem aos moldes do Acid Jazz de piano e baixo, com a voz de Valle acelerada, cheia de aliterações, mas quase como mais um instrumento sincopado e discreto. Toda urgência e aflição desemboca em um refrão alegre de Bossa Nova cantando “Em tudo eu acho graça/Mesmo em meio à desgraça.” Uma das grandes diferenças de Cinzento para Sempre são as variações de BPM. Se o antecessor, focado nas pistas, andava sobre batidas mais uniformes, aqui, a veia Funk fala mais alto, como na poética ótima “Se Proteja”, parceria com Bem Gil. (“Se houver castigo, aguente o pavor/Olhe pra dentro, a cura está viva na flor/Depois mais forte, um banho de amor/ A dor é sorte de quem já sentiu o sabor”). A união entre orgânico e digital é azeitada com violões, pianos e synths criando a paisagem para a aparição de trompetes quase estridentes, aqueles pequenos sustos que marcam o andamento e sustentam o groove.

Melodias pops mais joviais aparecem na amorosa “Redescobrir”, composta por Moreno Veloso, outro “novo” artista admirado por Valle presente no disco, além de Domenico Lancelotti, que colaborou em “Pelo Sim Pelo Não” e Kassin, autor de “Lugares Distantes”. Outras figuras da MPB, como Jorge Vercillo e Zélia Duncan, também contribuíram em letras do disco. O primeiro assinou a letra do Samba 7/8 “Só Penso Em Jazz” e a segunda é coautora da suingada “Rastros Raros”, composta em 2010, mas lançada só agora. 

Parceiro de composição de grandes sucessos da carreira do irmão – incluindo “Samba de Verão” –, Paulo Sérgio Valle colaborou na romântica e Pop “Nada Existe”. Mas a provável dobradinha mais marcante do disco é a própria faixa-título, na qual Emicida, que também participou de “Reciclo”, marca presença. Valle já havia se juntado a Emicida em “Pequenas Alegrias da Vida Adulta”, faixa de AmarElo (2018), mais recente álbum do rapper paulistano e, em “Cinzento”, os dois afinam o dueto na direção de um singelo Piano Rock. Chegando a lembrar a fase setentista de Erasmo Carlos, a canção traz a dupla alternando versos suaves sobre manter a serenidade em dias cinzentos, com os acenos pops de Emicida em seu último álbum se encaixando ao virtuosismo melódico de Valle. 

O célebre ponto de encontro da Praia de Ipanema é homenageado em “Posto 9”, originalmente uma faixa instrumental do disco Jet-samba (2005), agora com letra de Ronaldo Bastos. É uma Bossa Nova com linhas de synth preenchendo cada nota, montando linhas harmônicas que ilustram porque Marcos Valle faz a cabeça de tantos produtores do Hip Hop. Nas faixas instrumentais, Valle continua afiadíssimo seja mais melancólico, como em “Lamento no Rhodes”, ou devoto do groove, como em “Sem Palavras”, que fecha o disco em uma intensa explosão rítmica, unindo diferentes texturas e reverberando épocas diversas. Uma expressão do que a própria obra de Marcos Valle sempre foi, inclusive em seu 27º trabalho de estúdio.  

(Cinzento em uma faixa: “Cinzento”)

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ARTISTA: Marcos Valle