Resenhas

Magdalena Bay – Mercurial World

Em “caos controlado” de referências ao Pop alternativo recente, duo vai da ironia à sensibilidade para explorar angústias típicas do nosso tempo

Loading

Ano: 2021
Selo: Luminelle
# Faixas: 14
Estilos: Pop, Nu Disco, Art Pop, SynthPop, R&B
Duração: 46'
Produção: Matthew Lewin

É no mínimo estranho pensar que o duo que hoje faz esse Synth Pop psicodélico já foi um dia parte de uma banda de Rock Progressivo (Tabula Rasa), inspirada em grupos como Yes. A cantora Mica Tenenbaum e o produtor Matthew Lewin se uniram nesse contexto roqueiro durante sua adolescência, mas com o tempo aperfeiçoaram sua sensibilidade Pop para juntos formarem o Magdalena Bay. O projeto, ao longo dos últimos anos, vinha chamando a atenção com uma boa trinca de EPs e chega agora com seu aguardado álbum de estreia: Mercurial World.

O registro soa como um tubo de ensaio que mistura muito do Pop “alternativo” dos anos 2010. O duo resgata elementos de nomes CHVRCHES (na semelhança entre os timbres de Lauren Mayberry e Mica), Charli XCX (na intenção de levar o Pop para um caminho mais experimental), Grimes (também nesse campo de explorar as possibilidades de crossovers entre gêneros), Kero Kero Bonito (na maneira quase brincalhona de abordar temas nada triviais) e M83 (no uso das diversas camadas de sintetizadores), além de explorar a ironia do Vapor Wave e até mesmo o som mais abrasivo e hiperativo do Hyperpop. Nada aqui é exatamente novo, a não ser a forma de misturar e dosar esses elementos, criando algo bastante revigorante – ainda que se utilizando de abordagens, digamos, “batidas”.

Se à primeira vista todas essas referências e elementos parecem soar extremamente caóticos, saiba que esse caos é muito mais controlado do que você pode imaginar. O lado Pop e acessível fala mais alto aqui, mesmo quando o duo tenta explorar contornos mais esquisitos de suas inspirações – tudo soa bastante digerível na superfície e não é muito diferente do que Grimes fez em Art Angels ou do que Caroline Polachek criou em Pang. Mercurial World soa como um produto de sua época: amplamente impactado pela cultura das redes sociais e fruto dos múltiplos estímulos vindos das mais variadas telas.

O impacto disso nas letras é um quase-niilismo pop provocante. O que se expressa já na abertura “The End”, em que Mica canta: “I was thinking about how there’s no true end to anything / Everything comes from and goes to the same place: Nowhere!”. O restante da curta letra reflete finitude e desorientação, ideia metalinguística que percorre um repertório que vai de “The End” e termina em “The Beginning” “Halfway” se posiciona na metade do disco e fala sobre como é se dividir entre sentimentos bons e ruins.

Envolto num clima Disco Pop anos 1990 (quase como se as Spice Girls fizessem uma participação especial em Future Nostalgia, de Dua Lipa), “Secrets” (Your Fire) discute a linha invisível que separa as vidas privada e online, com Mica alfinetando a cultura de celebridades e as mídias sociais. Já em “You Lose!”, o duo brinca com um Noise Pop enquanto reflete sobre o quanto ficamos ansiosos para atingirmos nossos objetivos e, nessa busca desenfreada e veloz, nossa vida parece escapar pelas mãos. Em “Hysterical Us” (um desdobramento quase transcendente da Disco Music), a banda aborda a ansiedade e a paranoia geradas por um “o que aconteceria se” que surge em relacionamentos.

Mercurial Word passa por angústias, ansiedades e paranoias de nosso tempo, munido de um calor Pop acessível, leve e, na superfície, divertido. Enquanto as letras tocam em temas agudos e investigam questões pessoais íntimas, a produção realiza um trabalho refinado, moderno e, especialmente, dançante. E em meio a ironia e o quase-niilismo, escapa emoção e vulnerabilidade, numa pista cheia e enérgica. Talvez sintoma de uma época em que nos dividimos entre as dancinhas no Tik Tok e a terapia.

(Mercurial World em uma faixa: “Secrets (Your Fire)”)

Loading

ARTISTA: Magdalena Bay

Autor:

Apaixonado por música e entusiasta no mundo dos podcasts