Resenhas

Africanoise – CABAÇA

Disco do DJ e percussionista devolve expressões da música eletrônica – do dubstep ao house, do garage ao techno – `às batidas do candomblé

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Ano: 2025
Selo: EWÉ Records
# Faixas: 12
Estilos: House, Garage, Dubstep
Duração: 79'
Produção: Africanoise

House music, but make it Candomblé Ketu. Em seu terceiro disco, o jovem percussionista e DJ Africanoise apresenta uma viagem sonora por diversos gêneros da música eletrônica, do dubstep ao house, do garage ao techno, devolvendo essas expressões às batidas do candomblé. Em um dos lançamentos mais instigantes desse começo de 2025, tudo parte do nome: cabaça, a fruta natural da África que se espalhou por América do Norte, Ásia e Europa como fruto, mas também como objeto, uma vez que a casca da fruta forma uma cuia, geralmente utilizada para transportar água. Cabaça: uma das primeiras plantas cultivadas no mundo, encontrada na África e na América do Sul. Cabaça: um fruto disperso pelo globo, como séculos mais tarde a diáspora faria com centenas de milhares de povos africanos. Cabaça: é o que ecoa, reverbera, continua, persiste fértil no mundo depois da diáspora; planta, fruto e instrumento que carrega aquilo que é vital.

Conhecido como Africanoise, Renato Junior tem 26 anos e faz parte da Escola de Mistérios, coletivo de DJs do Rio de Janeiro idealizado por Quimera e Miguel Arcanjo com o objetivo promover uma formação continuada de mixagem e inserir mais DJs negros na noite carioca. (Por sinal, já faz alguns anos que encontrar Escola de Mistérios no line-up de alguma festa virou sinônimo de pista quente no Rio de Janeiro, com muito disco, house e funk. O trabalho de Africanoise na produção musical não fica para trás da fama do coletivo.) Natural do Rio, Africanoise cresceu em Salvador, onde trabalhou na TVE, a TV do estado da Bahia, e pôde conhecer, entre outras pessoas, o músico Letieres Leite. Através da combinação de influências entre a teoria de Letieres Leite sobre o Universo Percussivo Baiano, as tradições de matriz africana e a subversão da música eletrônica – principalmente, do disco, do house e do funk –, emerge a linguagem que atravessa a produção de Africanoise.

“Crescendo entre a casa de axé e a casa de minha mãe, o cotidiano, a família, a religião, a música, estava tudo entrelaçado. Todos os meus tios são percussionistas, fizeram parte de várias bandas baianas e das gravações de discos consagrados da música popular brasileira, e durante a minha infância me ensinaram toques, frases, claves, do candomblé de Ketu, do qual fazemos parte”, comenta o artista, que se vale de um robusto repertório teórico para explicar a música que faz, de Leda Maria Martins à Grada Kilomba.

Com faixas longas e progressivas, CABAÇA se destaca como o trabalho mais bem lapidado de Africanoise. Longe da atmosfera espacial de OKUN ÈMÍ OKUN DÚDÚ (2019), da crueza de 4 de Dezembro (2021) e do futurismo hermético de CYBERFUNK (2024), CABAÇA traz à tona uma ideia de futurismo indissociavelmente ligada à ancestralidade, em que tudo gira em torno do tambor. A partir dessa premissa, o disco abre espaço para um diálogo até mais direto com o funk do que o próprio EP CYBERFUNK, como na faixa “BAILINHO BARULHENTO”, que reúne percussões orgânicas e sons metálicos em uma ambientação futurista que, a princípio, lembra o funk do nigeriano William Onyeabor; nessa profusão sonora, frases do funk carioca dos anos 1990 aparecem pontualmente e roubam a cena – impossível ficar parado.

A sonoridade do disco é mais próxima dos trabalhos recentes de Africanoise com o rapper Olirum, mas ainda fica a sensação de que nesse disco a percussão ganha centralidade, tanto como um campo de estudo quanto como meio de transgressão sonora, um denominador comum em diálogo com todos os gêneros musicais afrodiaspóricos que atravessam o disco. Em “DANÇA DAS CABAÇAS” e “ELETROCHUCHU”, por exemplo, os tambores se somam a uma frase de sax bem jazzística que se repete entre elementos digitais, como sintetizadores e baterias eletrônicas, que por sua vez formam outras frases que se repetem e escapam no ar. A linguagem de CABAÇA é a do cruzamento, ou melhor, da encruzilhada, entre diversas expressões musicais da diáspora negra, pintando uma paisagem afrofuturista universal e pulsante. Espero escutar na pista.

(CABAÇA em uma faixa “LUV ME, LUV TI”)

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ARTISTA: Africanoise