Quem ouvia rádio lá pelos idos dos anos 2000 era constantemente bombardeado por canções chicletes de um rock com tino para o pop. De lá para cá, a relevância do que chamávamos de pop rock brasileiro perdeu sua força, ainda que com alguns bons nomes aqui e ali. Mas, dos rincões do indie, é possível presenciar algo como um ressurgimento dessa vertente. Bandas como Raça, Terno Rei, Varanda, Jambu e Exclusive os Cabides, só para citar algumas, resgatam a essência dos anos 2000, porém revestida com um verniz independente, reformulando tudo aquilo com uma produção contemporânea, mais polida, mas, acima de tudo, se permitindo experimentar como e onde quiserem.
É aí que entram Ale Sater e seu primeiro disco completo de inéditas. O artista, conhecido pelo seu trabalho como letrista, vocalista e baixista do Terno Rei (sem dúvidas, uma das bandas mais influentes do cenário indie nos últimos anos), já havia testado algumas possibilidades em seus dois EPs anteriores, Japão (2016) e Fantasmas (2021). Foram trabalhos cruciais para amadurecer sua identidade artística, além de o consolidarem como um músico que pode se aventurar fora do grupo. Esses projetos mostraram um lado (ainda) mais intimista de Sater, por vezes dialogando com o folk e com a música brasileira, e ainda revelaram um lirismo confessional e delicado. Tudo Tão Certo é resultado dessa jornada e nasce em um fino equilíbrio entre apresentar novas facetas de Sater e reforçar características do que se ouve dele no Terno Rei.
As canções do debut reforçam sua habilidade como letrista. São composições com palavras simples, imagens vivas e narrativas poéticas capazes de transportar o ouvinte para cenários detalhados – colocando personagens em meio a breves histórias de amor e perda, além de levantarem reflexões sobre a passagem do tempo, a saudade e o simples flanar por ambientes urbanos. Versos como “Tudo que perdi virou parte de mim” (“Anjo”) ou “Eu perdi mas aceitei / E foi libertador” (“Alguma Coisa”) exemplificam o poder sintético da obra – expressando como perdas e cicatrizes emocionais moldam nossa identidade, a partir da aceitação de que tudo tem início, meio e fim. E de que a vida continua.
A produção de Gustavo Schirmer, com quem Ale já havia trabalhado em Violeta (2019) e Gêmeos (2022) no Terno Rei, remaneja diversas referências dos anos 1990 para a atualidade. São ecos de nomes como Radiohead, Blue Nile, Everything But The Girl, Elliott Smith e Jeff Buckley permeando as 11 faixas do registro, em uma instrumentação rica que mistura timbres acústicos do violão a texturas eletrônicas. Essa mescla soa coesa e envolvente, criando canções sofisticadas, mas sem perder o toque emocional que marca o trabalho de Sater. Nostálgico e contemporâneo, o disco tem em “Final de Mim” um de seus pontos mais altos: uma faixa iniciada como um folk atmosférico, que vai crescendo em camadas e elementos, somando guitarras etéreas, violinos e piano – tudo isso para dar vazão a uma bela letra.
Tudo Tão Certo faz parte de um grupo de novos trabalhos que resgatam o pop rock nacional sob uma ótica independente, apresentando uma sonoridade com tendências radiofônicas sem perder seu senso de identidade e um viés experimental. Ale Sater sempre teve como principal característica sua poesia profunda e descomplicada, seja no Terno Rei, seja em seu projeto solo – e aqui ele comprova que seu lirismo tem potencial para se sintonizar aos mais diferentes estilos e, quem sabe, atingir novos públicos.
(Tudo Tão Certo em uma faixa: “Quero Estar”)