Resenhas

Alexander Flood – The Space Between

“Apadrinhado” por Christian Scott aTunde Adjuah, baterista australiano promove intercâmbio de ritmos, histórias e sotaques em disco que vai além do jazz

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Ano: 2022
Selo: Stretch Music/Ropeadope LLC
# Faixas: 10
Estilos: Jazz, Fusion
Duração: 53'
Produção: Alexander Flood

Dá para visualizar facilmente no mapa o recorte feito entre o oeste africano e o sul da Ásia que Alexander Flood trouxe para seu segundo álbum, The Space Between. Essa área intercontinental compreende territórios tão distantes cartograficamente quanto também a herança cultural da Austrália, onde o baterista nasceu e cresceu. Sendo lançado em 2022, uma época que pede delicadeza no trato com o outro, o disco ostenta em si a pluralidade como característica essencial e há uma grande reverência na maneira como o baterista – que fez carreira no jazz – trata esses seus intercâmbios pelos ritmos, histórias e sotaques de tantos locais.

Existe também uma clara intenção de agradar o ouvinte, de conquistá-lo aos poucos e oferecer algo amigável até mesmo a quem, dentro da mentalidade ocidental, olha para o oriente com grande exotismo. Não é difícil reconhecer o DNA africano ou árabe em algumas das percussões, por exemplo, ao mesmo tempo em que em grande parte de The Space Between esses elementos parecem fundir naturalmente com a musicalidade jazzística de Flood. Ele incorpora naturalmente esses elementos, e esse é um dos maiores trunfos do disco.

Em paralelo, fica evidente a (ótima) escolha de oferecer não só uma jornada musical ao longo de suas faixas, mas uma experiência sônica propriamente dita. Isso porque o álbum se preocupa, e impressiona, com diferentes maneiras de apresentar sua sonoridade ao longo de suas 10 faixas – algumas parecem tocadas ao vivo em um ambiente pequeno, outras têm aspecto eletrônico. “Pathways”, parceria com Christian Scott aTunde Ajuah, talvez seja a que melhor exemplifica isso, com a bateria abafada e as diferenças no tratamento sonoro dos elementos. Ao longo de seus quatro minutos e meio de duração, a música percorre – assim como seu título sugere – diversos “caminhos”.

São essas escolhas de produção que, ao escutarmos The Space Between com fones de ouvido, geram alguns muito bem-vindos frios na barriga, daqueles que só a boa música consegue causar. A experiência sincopada do soul e elementos africanos em “Starseed (com a cantora Vivian Sessoms)” e a melodia tão cheia de personalidade de “Re-Wired” são outros dois momentos que brilham na audição do disco.

Como álbum propriamente dito, entretanto, há alguns fatores que desanimam mais do que encorajam uma segunda ou terceira audição da obra. Um deles é a presença de músicas muito mais “convencionais” de uma obra feita por um jovem baseado no jazz – ouça “LDN”, por exemplo –, além de faixas muito pouco carismáticas cercadas de músicas de enorme presença. “Goodmorning (for Alden)” é outra cuja doçura, após tantos golpes no ouvido, é tão bonitinha que chega a incomodar naquele contexto. Se na primeira impressão o que fica da obra é sua pluralidade, a ausência dessa característica gera um certo desconforto.

O que The Space Between revela é que, para além de seu talento e bom gosto nas composições, arranjos e produção, Alexander Flood se apresenta como um músico que sabe colocar sua bateria em função do todo ao invés de trazer apenas para si os holofotes, por mais que tenha sua assinatura na obra como um projeto solo. Bem alinhado ao pensamento contemporâneo de inclusão e variedade, o australiano lançou uma obra que dificilmente conquistará público para a cena jazzística, mas trará alguns sorrisos (e alguns frios na barriga) àqueles que se aventurarem por sua cartografia.

(The Space Between em uma música: “Pathways”)

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Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.