Resenhas

André Mendes – Surf Budismo

Novo álbum é afetuoso e segue conceito dos anteriores

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Ano: 2014
Selo: Independente
# Faixas: 10
Estilos: Lo-Fi, Rock, Eletrônico
Duração: 34:53min
Nota: 4.0
Produção: André Mendes

A cada dia 15 de julho, data de seu aniversário, André Mendes lança um álbum de inéditas. Desde 2011, ele presenteia seus fãs com um feixe de novas canções, gravadas no peito e na raça, na mais absoluta independência artística. Isso não significa que o cantor, compositor e guitarrista baiano, ex-Maria Bacana, desperdice ocasiões ou cumpra um ritual vazio. Ele sempre tem um trabalho bem acabado, interessante e amarrado a um conceito primordial em sua carreira, o de levar ao ouvinte uma visão da capital baiana que poucos teriam. André é um músico do mundo encapsulado em sua cidade, uma urbe com traços bem peculiares, opressora em vários pontos de vista e incapaz de comportar alteridades. Seus trabalhos anteriores, Bem-Vindo À Navegação (2011), Enfim Terra Firme (2012) e Amor Atlântico (2013) tratam dessa Salvador alternativa com precisão. Não seria diferente agora, em 2014.

Surf Budismo é uma espécie de conceito dentro do conceito. André continua se esforçando para mostrar uma cidade que não precisa viver de Olodum, Pelourinho e barracas de acarajé. Mesmo assim, a vida do músico está inserida na cidade, o que gera uma visão misturada de amor e ódio pelo lugar em que se vive. Este novo álbum é mais afetuoso, talvez um realce nas coisas boas, adotando a saudável postura de ignorar as causas de alguma insatisfação. Dessa forma, Surf Budismo é quase uma atitude de apagar numa suposta imagem, tudo aquilo que não se gosta. Nos espaços vazios que vão surgindo, André povoa a paisagem com uma sonoridade peculiar, uma espécie de Lo-Fi casual, dando a impressão que o disco esteve concluído por alguns momentos e seu criador desejou pingar água aqui e ali, para confundir as fronteiras e as impressões. André explica que usou um IPad e alguns aplicativos, impondo-se o desafio de gravar um disco usando apenas essas ferramentas, além de sua guitarra.

O resultado disso é a mistura do Pop polido e tecladeiro de Tears For Fears, sobretudo em sua estreia, The Hurting (1983) com a ambiência e a largação sonoras de Beck na fase Mellow Gold (1994). O clima é de Eletrônica vintage, como se estivéssemos em 1982. Além disso, há sinceros achados líricos que poderiam ser de um Belchior adolescente e soteropolitano, que passa os dias indo e vindo na cidade, mas sempre retornando para casa, onde tudo é bom. André é especialmente feliz quando encarna seu lado trovador/contador de histórias, em canções como A Linha Dos Olhos de Cecília e O Medo Nos Olhos de Marina (minha preferida até o momento, que alterna borrões de guitarra, narrativa dylanesca e clima de poesia dedica à colega da sala de aula da adolescência).

Há achados por todos os cantos. Tic Tac tem andamento sessentista clássico, devidamente filtrado pela parafernália eletrônica, Procuro Imagens lembra Casa Amarelo Ouro (de seu disco anterior), seja na melodia, seja em seu aspecto cinematográfico. As Praias Do Nosso Bem se junta à amorosa Teu, cheia de paisagens afetuosas enquanto o conjunto emocional de canções sofre um abalo significativo, mas que não chega a afetar o resultado, através da política …e vocês nunca vão me quebrar, com título com reticências e minúsculas, mostrando que o André engajado e fiel a uma coerência político-partidária está presente, ainda que disfarçado por esse clima de paz e amor que poderia ser o subtexto principal desse álbum.

Surf Budismo é desprendido de qualquer tendência musical brasileira atual, parece boiando confortavelmente num mundo só seu, mas que é oferecido com gentileza ao ouvinte que deseje conhecer. É música generosa, bonita, parecendo adoravelmente rascunhada. Talvez o melhor disco da carreira de André Mendes e você pode baixá-lo de graça no site do cantor.

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BOM PARA QUEM OUVE: Tears For Fears, Legião Urbana, Beck
ARTISTA: André Mendes
MARCADORES: Ouça

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.