Resenhas

Anelis Assumpção – Taurina

Cantora e compositora paulistana lança o seu melhor disco até agora

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Ano: 2018
Selo: Scubidu Discos/Natura Musical
# Faixas: 13
Estilos: Samba, Reggae, MPB
Duração: 42:22
Nota: 4.0
Produção: Beto Villares

“Gosto do que sou quando estou com você. Tem gosto de fundo azul. O cheiro de água que sinto quando te encosto, congela o ano em agosto”. Com esses versos belíssimos, Anelis Assumpção inicia Gosto Serena, a quarta faixa de seu álbum, Taurina. Composta em homenagem à irmã Serena, esta canção ilustra com certa precisão o que é o disco. Uma criação pessoal e coletiva ao mesmo tempo, inegavelmente pertencente à nobre linhagem dos Assumpção, honrando, não só irmã, mas como o pai, Itamar Assumpção, ambos já falecidos. É música sinuosa, híbrida, totalmente negra e com uma sensualidade/sexualidade à flor da pele, trazendo sensações, visões, informações, mais ou menos confundindo sentidos como o verso do início do parágrafo. É ambíguo sendo muito certo e definido. E é bem legal.

Anelis brinca com conceitos ao unir o “taurina” do título, não só ao signo, mas ao animal ruminante, que tem quatro estômagos – lembre das suas aulas de Biologia -, instintos controversos, é sagrado em países distantes mas também é sinônimo de conduta moralmente questionável. A ideia é brincar com referências e fazê-las mudar diante dos olhos/ouvidos de quem se dispuser a apreciar este disco. Em uma carreira que já tem outros dois álbuns, é possível dizer que este é o melhor momento da cantora e compositora paulistana, com uma definição bem clara de estilos e influências. Tudo por aqui tem origem no Reggae e no Samba, mas se perder em mil variações e alternativas para estes ritmos, abrindo mão de tiques e taques eletrônicos para ser um feixe de treze canções muito orgânicas, cheias de instrumentos tradicionais muito bem tocados e utilizados em arranjos que privilegiam voz e letra das composições. Coisa sutil, intencionalmente instigante.

Apesar de conservar uma unidade estética, Taurina não tem um conceito perpassando para suas canções além de ser uma sucessão de momentos de honestidade de Anelis. As parcerias falam muito sobre ela, especialmente momentos iluminados como Escalafobética, com Thalma de Freitas, que é um Reggae sutilíssimo, cheio de percussão lacustre/fluviométrica, como se estivéssemos na beira de um riacho com oferendas para Oxum. Chá de Jasmim, composta com irmã, Serena, é erótica e brejeira ao mesmo tempo, com um arranjo que inclui trombone, tamborim e andamento de Samba no sentido ancestral do termo. A letra vai com versos como “naquele dia eu te dava na cozinha, cê gozava e eu fingia que não tinha amor ali”, ganhando veracidade e brilho na voz da cantora, que se enche de sensualidade casual. A melhor possível, diga-se. Outro sambinha precioso é Caroço, que se instala com um início cheio de violões acústico, com Anelis planando pela melodia com belezura de rua só de casas e crianças brincando no portão antes do almoço.

Mortal À Toa tem participação de Liniker e os Caramelows, Ava Rocha e Tulipa Ruiz, funciona como mais um exercício sobre as variantes do Reggae, mas já não tem letra tão bem articulada quanto outras canções, rimando “galope” com “escalope”, o que, convenhamos, não dá. Água já tem soluções melhores, tanto em termos musicais quanto líricos, novamente tangenciando uma negritude ainda não banalizada, algo que só joga a favor do disco e de sua proposta. O encerramento com Receita Rápida traz participação de Céu e um instrumental muito típico dela, com guitarras sinuosas, baixo mixado bem grave e uma bateria elegantemente econômica. É um bom encerramento.

Anelis Assumpção gravou seu melhor trabalho. Se coloca como uma das grandes cantoras que todo mundo precisa ouvir pra ontem, dona de verve própria e com predicados de sobra. Seus bons momentos são muitos e, mesmo ainda em março, já é possível ver que Taurina não veio para brincar em meio aos lançamentos musicais deste 2018. Recomendadíssimo.

(Taurina em uma música: Gosto Serena)

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MARCADORES: MPB, Ouça, Reggae, Samba

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.