Resenhas

Anna B. Savage – A Common Turn

Com a voz sempre em primeiro plano, cantora londrina apresenta registro profundamente íntimo e confessional

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Ano: 2021
Selo: City Slang
# Faixas: 10
Estilos: Folk, Folk Eletrônico, Rock Alternativo
Duração: 47'
Produção: William Doyle

“I love how much you love me”. Um dos versos centrais de “A Common Tern”, faixa que inspirou o título A Common Turn, traz consigo uma das principais temáticas da obra: a de como viver após um relacionamento que lhe custou tanto, da paz à autoestima. Autobiográfico, profundamente íntimo e de tom confessional, o disco desnuda Anna B. Savage nas dores, e uma ou outra delícia, colhidas nos anos que seguiram ao rompimento com quem lhe fez mal.

É um álbum sobre admitir as inseguranças e aceitar cura, mesmo quando ela parece não fazer sentido – “A Steady Warmth”, por exemplo, abre o disco com Anna se perguntando se esse novo “calor constante” é real ou apenas fruto de sua imaginação. Há vários outros questionamentos ao longo das demais músicas, intercalados com versos que narram pequenas histórias gravadas na memória da artista britânica, que exorciza aqui seus traumas da melhor maneira que pode.

Isso implica em canções longas e cheias de repetições, quase mantras, entoados pela cantora. Seria uma dinâmica cansativa não fosse a quantidade de verdade que ela consegue exprimir em sua interpretação. Com sua voz sempre em primeiro plano – frequentemente acompanhada apenas de uma guitarra –, Anna faz o ouvinte de cúmplice em seus desabafos e tentativas de processar tudo o que já sentiu e pensou. Da insegurança, comunicada pela grande quantidade de dúvidas ao longo do álbum, vem também a força de conseguir atravessar todas essas situações e estar melhor hoje.

Após ser destruída por um homem, ela expressa a perspectiva adquirida de si como mulher. Ela conta sobre menstruar durante uma turnê (“Hotel”) e sobre se apropriar de sua sexualidade e não precisar de outra pessoa para gozar (“Chelsea Hotel #3) – e, não por acaso, uma das versões físicas de A Common Turn vem com um vibrador exclusivo com o logo da cantora. Ela relembra situações em que seu parceiro lhe deixou insegura sobre seu corpo (“One”) e comenta episódios depressivos sem energia para mudar sua vida (“Two”), o que só reforça a narrativa do quão longa foi sua jornada até estar bem consigo mesma hoje.

Na tentativa de comunicar a intensidade do que passou, Anna escolheu inserir algumas surpresas em forma de beats e timbres eletrônicos ao longo do disco. Eles aumentam a sensação de confusão e tentam realçar a força do que está sendo cantado, mas, curiosamente, parecem desnecessários ao olharmos para o repertório. Um dos momentos mais fortes de “Corncrakes” – e o primeiro gancho emocional de grande impacto no disco – vem justamente em um momento que até a guitarra cede espaço para a voz brilhar sozinha.

Tem a ver também com o intimismo proposto. A masterização buscou uma estética de obra ao vivo, como se Anna estivesse no mesmo ambiente do ouvinte (e a vontade de assistir a um show de A Common Turn em um local pequeno cresce a cada audição do álbum). É uma obra para aproveitar de perto, com fones de ouvido e grande atenção às letras. E, como em todo trabalho fruto de muita sinceridade, há muito o que se aprender com suas experiências, refletir sobre as nossas e admirar a beleza dessa dinâmica.

 (A Common Turn em uma faixa: “Corncrakes”)

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Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.