Resenhas

Arnaldo Antunes – Novo Mundo

Afiado discursiva e esteticamente, novo disco do célebre músico é, ao mesmo tempo, fatalista e profundamente humano

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Ano: 2025
Selo: Rosa Celeste/RISCO
# Faixas: 12
Estilos: Rock, Rock Alternativo, Indie
Duração: 39'
Produção: Pupillo

“Bem vindo ao Novo Mundo”, saúda Arnaldo Antunes na abertura de mais uma obra digna da totalidade de seus talentos. Suas 12 faixas reúnem convidados ilustres, boas ideias de produção e, principalmente, as muitas características que mantêm o artista como um dos mais inventivos nas últimas quatro décadas.

Logo na faixa-título, o disco introduz peso sonoro aos significados ruidosos do nosso tempo. Ela dá a tônica sombria que acompanha boa parte do repertório ao traduzir a época que vivemos – “o passado já não traz aprendizado/ o futuro se tornou uma ameaça” –, na qual nada é mais concreto do que o medo. Na sequência, para falar de amor, ele compara o sentimento a uma droga e rima “sorte” com “morte” (“O Amor É a Droga Mais Forte”) – afinal, quando se sente tanta violência, só se pode amar com força.

A interpretação potente de Arnaldo, acompanhada de seu característico timbre, martela versos cheios dos seus costumeiros substantivos – aqueles de “O Pulso” e “Bichos Escrotos”. Mesmo quando é mais melódico, como em “certezas proliferam nas cabeças/ na cela de uma tela estão ilesas/ disparam sem parar nos olhos fixos/ os movimentos de milhões de pixels” (em “Novo Mundo”), ele trata as palavras em sua totalidade de som e de significado, e tece a mensagem no sentido que elas permitem.

Isso fica nítido em “Body Corpo”, primeira das duas parcerias “bilíngues” com David Byrne no álbum. Os versos em inglês têm traduções diretas cantadas em português por Arnaldo, e é inegável como “goes through your head” tem uma musicalidade intrínseca tão diferente de “passa na cabeça”. Mais ainda em “Não Dá Para Ficar Parado Aí na Porta”, a outra faixa com Byrne, cuja musicalidade dos versos como o do título, presente também no refrão, não se compara a “you can’t just stand there in the doorway”.

A percussividade do verso cantado encontra na proposta pessimista de Novo Mundo um Arnaldo Antunes com muito a dizer, tanto que não para por aí. Após um início tempestuoso do disco, que reverbera depois em “Tire Seu Passado da Frente”, ele faz questão de trazer outros humores, estilos e – talvez – personas para a obra.

O cara que ensinou uma geração inteira a “Lavar as Mãos” no programa Rá-Tim-Bum aconselha agora a uma melhor convivência em “Pra Não Falar Mal”. É um lado mais família do artista, que dá as caras também em “Viu, Mãe?”, na qual ele narra as bênçãos da genitora que formaram um homem “bem são”.

Ele é romântico de uma maneira quase ingênua em “Acordarei”, e mais concretista em “Pra Brincar”. Ecoa Tribalistas em “Sou Só”, com Marisa Monte e uma linha melódica que faz com que a canção pareça “Já Sei Namorar” amadurecida por 20 anos. É um passeio por outras facetas do artista que não nos distraem da temática principal de Novo Mundo, mas estão a serviço de sua argumentação.

Isso porque o mundo pode ser novo, mas o ser humano é o de sempre. É o bicho que procura abrigo nos relacionamentos e na arte, e que faz questão de ter a ilusão de controle de sua vida – como em “Primeiro de Janeiro”, que se esbalda em uma melodia ingênua até revelar uma força que não pôde ser contida, com ajuda de dois pilares fundamentais para a construção do disco: a guitarra de Kiko Dinucci e o piano de Vítor Araújo.

Colocar David Byrne em um pagodão baiano (“Body Corpo”) tem em si um senso de humor bastante elementar, algo presente também na escolha de Ana Frango Elétrico, com toda sua personalidade na voz, para o dueto “Pra Não Falar Mal”. Esse lado de Arnaldo ajuda a guiar nossa audição até a última faixa, “Tanta Pressa Pra Quê?”, não como quem tem uma proposta de solução para os problemas atuais, mas no entendimento que fazemos o possível para viver bem mesmo com eles.

É fatalista por um lado, mas profundamente humano em todas as perspectivas. É o tipo de obra que se mostra completa em si, fruto do tempo na temática e nas escolhas estéticas (mais um triunfo da produção de Pupillo). E é também o tipo de disco que nos relembra o grande artista que está por trás, e diante, dele. Qualquer mundo novo é um lugar melhor se temos Arnaldo Antunes como seu cronista.

(Novo Mundo em uma faixa: “Novo Mundo”)

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Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.