Resenhas

aya – im hole

Produtora inglesa alia o potencial extremo e caótico de sua música ao aspecto confessional e sincero de suas experiências

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Ano: 2021
Selo: Hyperdub
# Faixas: 11
Estilos: Experimental, Grime, IDM
Duração: 39'
Produção: aya

A música por vezes é descrita como forma de escapismo da vida real. Como se fosse um ambiente descolado da realidade, na qual o artista pode se esconder ou se envolver de seus próprios pensamentos para criar algo diretamente relacionado a seus processos particulares. Algo que remete a uma função onírica, mas que também constrói um diário repleto de pensamentos e significados dados à vida cotidiana – a pública e a privada, em diálogo. Não existe criação sem contexto externo e este, por sua vez, só tem sentido quando percebido por uma mente que o tenta decifrar. Essa coexistência, que abarca conflitos e sínteses, percorre a produção de Aya Sinclair.

Antes de ser apenas aya, a produtora era conhecida por LOFT, pseudônimo com o qual levou sua sonoridade pelos diferentes cantos da cena londrina de música eletrônica. Com um estilo recortado entre diferentes gêneros, passando por Grime, IDM, Experimental e Drum ‘n Bass, suas faixas não têm a ver com calmaria e “lugar seguro para refletir”. A particularidade autêntica de seu estilo é justamente trazer aquela ideia de que tudo acontece ao mesmo tempo, de uma vez só. Assim, por vezes sua estética é descrita como caótica e extrema, despertando a sensação de desconstrução constante da música Club. Se há uma linguagem menos usual para transmitir sentimentos, tenha certeza de que é por este caminho que aya irá seguir.

Desta perspectiva, aya nos apresenta seu novo trabalho: im hole. Sonoramente, ele apresenta todas as características que fizeram de aya um nome em ascensão e, se é que possível, as eleva a um novo patamar. Os timbres aqui parecem ainda mais extremos e, se isto significa tirar o ouvinte de sua zona de conforto, que assim seja.

O papel de aya durante as 11 faixas não é de harmonizar elementos diversos, mas deixá-los polidos, afiados e imprevisíveis. Um caos sonoro que encontra lugares precisos, em meio às letras mais confessionais e sinceras de sua carreira. Nesse universo de barulhos e acordes não há só uma vontade de experimentar pelos timbres e sons, mas com narrativas. Tentar encontrar padrões dentro do disco seria perda tempo. Parte do grande barato do trabalho é justamente se render a seu caráter emocional e sensorial.

Com um estrondoso barulho e frases que funcionam como monólogo desesperador, o disco se inicia com a extrema “somewhere between the 8th and 9th floor”. “once wen’t west” entrega uma batida para nos orientar minimamente, apesar dessa orientação não ser o suficiente para organizar os pensamentos – uma organização que ainda sustenta o caos. “OoB Prosthesis”, por sua vez, volta a nos tirar o chão – imprimindo ritmos rápidos e ágeis juntamente à voz de aya. Esse movimento de vai-e-volta é uma das marcas autênticas deste novo trabalho. “still i taste the air” é um grande experimento pelas barreiras da Ambient Music, trabalhando com pads suaves, mas que, pela monotonia dos sons, dá uma constante sensação de suspense. “tailwind” traz a percussão como linguagem principal da faixa, brincando com ritmos complexos e suingados sem precisar apelar para arranjos harmônicos como forma de contar sua história. Por fim, “backsliding” encerra o trabalho com uma inversão: a voz de aya é o grande destaque, como se ela fosse a responsável por colocar um ponto final nessa experiência.

A partir de um polimento de sua própria estética, aya encontra espaço para continuar a narrar uma história de caos e extremos. Pode ser um trabalho “difícil” para alguns, mas certamente despertará uma fagulha de curiosidade por entre as frases sinceras e as texturas ríspidas. Uma curiosidade que é construída na medida em que o ouvinte se reconhece neste caos e na poderosa narrativa de aya.

(im hole em uma faixa: “still i taste the air”)

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ARTISTA: aya

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique