Dono de uma assinatura sonora inconfundível e um dos responsáveis pela massiva popularização dos sons porto-riquenhos no final da década passada, Benito Antonio Martínez Ocasio, o Bad Bunny, contribuiu decisivamente para que a música latina fosse, em escala global, muito além do exotismo. Outros nomes também estiveram presentes nesse processo, no entanto, a partir de sua sentimental aventura em Un Verano Sin Ti (2022), ficou evidente como o cantor extrapolava cacoetes e pesquisas por gêneros como reggaeton, cumbia e vertentes da música eletrônica. Permeado por letras extremamente confessionais e identidades cartunescas e surreais, o universo criado por Bad Bunny parece se situar em um lugar muito particular – onde nada é extremamente objetivo, mas menos ainda solto no ar como subjetividade etérea. E seu mais recente disco se aprofunda ainda mais neste terreno impreciso, feito de sentimento e memória.
DeBÍ TiRAR MáS FOToS perpetua a mudança temática iniciada em seu disco anterior, nadie sabe lo que va a pasar mañana (2023), explorando a relação do artista com o tempo. No entanto, ao invés de voltar os olhos e o ouvido para incertezas do futuro, Bad Bunny põe em xeque o nosso obsessivo (e inevitável) olhar para o passado. A partir dessa proposta, o vínculo com estilos e gêneros porto-riquenhos se estreita – tornando-se menos um elemento/ingrediente da mistura sonora e mais uma protagonista desta narrativa. Esta narrativa, por sua vez, ultrapassa a memória de Bad Bunny e defende – já no título do disco – a preservação em um sentido mais amplo, social, político e até filosófico. A forma como o trabalho tem sido divulgado aponta para essa direção, seja pelo tocante curta-metragem de mesmo nome disponibilizado no YouTube, ou pela forma como as letras do disco foram divulgadas – como apresentações de Power Point repletas de informações sobre a história de Porto Rico, organizadas pelo professor Jorell Meléndez Badillo, da Universidade de Wisconsin–Madison.
De qualquer maneira, DTMF propõe uma experiência de descoberta ao ouvinte. Por mais que estejamos diante de uma pesquisa aguda da música porto-riquenha, o que está em jogo é a forma como Bad Bunny se lembra disso – por ora mixada em baixa fidelidade, por ora atravessada por diálogos e trechos de gravações não-musicais. A preocupação em querer tirar mais fotos pede atenção do ouvinte para que o disco não seja apreciado apenas como uma série de hits radiofônicos – mas, sim, como um autêntico processo de lembrança e celebração de momentos importantes de uma jornada.
Cada faixa tem um apelo e um charme particulares, demonstrando ainda mais o talento, o comprometimento e a versatilidade de Bad Bunny. Na faixa de abertura, “NUEVAYoL”, a cumbia pavimenta os primeiros beats fortes, deixando claro ao ouvinte como Bad Bunny vai se tornar o rei do pop – “¿Cómo Bad Bunny va a ser rey del pop/ Ey, con reggaeton y dembow“. “BAILE INoLVIDABLE” retoma o lamento romântico em alto astral – se é para sofrer, que seja dançando. “VeLDÁ” é mais comportada nos padrões reggaeton, mas chega construída a partir de timbres específicos que ressoam uma incontestável influência de Daddy Yankee. O single “EL Clúb” coloca as métricas rítmicas no campo da música eletrônica, porém sempre com algum sample ou algo que retome seu compromisso com a música porto-riquenha. Saindo do campo dos beats eletrônicos, “CAFé CON RON” se inicia com um destaque para a percussão, porém ao longo da canção, se torna desapegada, imprecisa – como uma memória efêmera. Violão e sintetizadores traduzem bem este sentimento de ausência de temporalidade na balada contemporânea em “LO QUE LE PASÓ A HAWAii”.
Em seu sexto disco de estúdio, Bad Bunny aglutina as melhores características de sua sonoridade em prol de uma poderosa mensagem – destinada ao público e a ele próprio. Aqui, a memória é tanto singular e individual, quanto criada a partir de relações e de um imaginário coletivo. Mesmo em meio a tantas mudanças, o astro faz questão de preservar fragmentos do passado, cujo valor atravessa e supera a qualquer noção de tempo.
(DeBÍ TiRAR MáS FOToS em uma faixa: “LO QUE LE PASÓ A HAWAii”)