Resenhas

beabadoobee — Fake It Flowers

No disco de estreia, Bea Kristi aumenta o volume das confissões tímidas amparada por uma instrumentação noventista e pulsante

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Ano: 2020
Selo: Dirty Hit
# Faixas: 12
Estilos: Rock alternativo/Pop Punk
Duração: 41’
Produção: Pete Robertson e Joseph Rogers

Antes da pandemia de Covid-19, Bea Kristi — artisticamente conhecida por beabadoobee — já se dedicava às canções melódicas performadas no próprio quarto em Harrow, na cidade de Londres, onde, desde os três anos de idade, mora com os pais e irmão mais novo. Com vocal espantosamente doce e dedilhados suaves no primeiro violão que ganhou, a filipina-britânica escreveu as primeiras canções, as quais traziam a atmosfera intimista típica do chamado Bedroom Pop.

Agora, com o disco de estreia Fake It Flowers, lançado no dia 16 de outubro, Kristi não mudou o cenário de composição, mas, com certeza, precisará de um bom palco para expelir a energia que resgatou do Rock alternativo dos anos 1990. Assim como Girl in Red, Clairo, Snail Mail, Soccer Mommy e outras artistas de 20 e poucos anos, Kristi fez da guitarra um escudo enquanto canta sobre inseguranças, traumas e amores jovens.

A primeira música que escreveu na carreira, “Coffee”, lançada em 2017, por exemplo, foi dedicada ao namorado Soren Harrison. Com Elliott Smith e Daniel Johnston no imaginário criativo, a artista descreveu alguns momentos do relacionamento dos dois. Na época, ainda que Kristi tenha conquistado uma base de fãs no SoundCloud e no YouTube, os versos “Don’t stay awake for too long / Don’t go to bed / I’ll make a cup of coffee for your head” só ganharam dimensão global ao despontarem no TikTok no início deste ano.

Ao ser sampleada no remix melancólico “death bed (coffee for your head)”, feito pelo artista de lo-fi Powful, Kristi foi trilha sonora de mais de 5 milhões de vídeos na plataforma – e, atualmente, a versão é a faixa mais ouvida no streaming da cantora. Em junho, o remix serviu de trilha um comercial da Dunkin, empresa americana especializada em rosquinhas e café e, além disso, Krist foi indicada ao Brit Award como Estrela em Ascensão e ao BBC Sound 2020.

A mobilização (viral e midiática) ampliou a visibilidade da artista — que, sob o comando da Dirty Hit, já acompanhava o The 1975 em turnês —, mas a direcionou principalmente para um público que buscava mais canções melódicas e grudentas. Kristi, contudo, se despiu da sonoridade leve na qual havia mergulhado antes e aperfeiçoou a melhor faceta que ela poderia mostrar. No EP Space Cadet, lançado em 2019, é possível ouvir um prelúdio dessa nova proposta. Desde então, as guitarras da londrina ficaram barulhentas, a bateria ganhou explosões rítmicas e as interpretações das composições mostraram o mal-estar feroz que ela guarda dentro de si.

A cantora teve uma adolescência agitada e multidisciplinar: praticava aulas de natação, ia ao balé e tocava violino. Até o momento em que se viu envolvida com drogas e em conflito com questões de identidade e saúde mental. O violão, que ganhou do pai logo após ser expulsa da escola, representou a possibilidade de traduzir a névoa de sensações em uma linguagem sonora própria. Fake It Flowers parece, enfim, ser o entendimento de tudo isso.

Kristi embarcou em um túnel do tempo e resgatou influências poderosas como Hole, The Cranberries, The Smashing Pumpkins, My Bloody Valentine, Veruca Salt, The Cardigans e Juliana Hatfield. A imersão deu origem a faixas como “Worth It” — com um power chord palpitante e uma voz cheia de mel Pop —, “Dye it Red” — sobre uma emancipação amorosa como a que costumamos ouvir em canções de Soccer Mommy — e o brilho incontestável de “Charlie Brown”, com refrão gritante e honesto sobre automutilações. Se tudo antes soava como confissões em sussurros, desta vez, Kristi mostrou o que acontece quando ela aumenta o volume.

Sem receio de evidenciar as próprias fragilidades, Kristi também entrega honestidade sob a figura recorrente do namorado nas canções. Soren Harrison aparece na faixa “Horen Sarrison” (trocadilho com o nome dele) em que ela o descreve como a sensação de ver “o último assento vazio no trem”.

A estética Lo-Fi – aliadas a toques do Bedroom Pop, associado a ela anteriormente – até aparece em “Back To Mars” e “Further Away”, mas, no geral, a combinação entre baterias abrasivas, riffs enferrujados e a espontaneidade de sons ambientes salta aos ouvidos e nos atenta que o rock alternativo prospera na mão de outras mulheres – e beabadoobee, com certeza, é uma delas. Destaque também para a azeitada produção de Pete Robertson e Joseph Rogers, que contribui para a identidade sólida do projeto.

Ao longo das 12 faixas, a artista derrama o entusiasmo de uma garota que “nasceu na época errada”, mas, felizmente, sem transformar essa impressão em algo desinteressante. Muito pelo contrário: com personalidade, beabadoobee repaginou e poliu a sonoridade que ouviu de seus heróis de guitarra para, quem sabe, se tornar, futuramente, a heroína de outras gerações. O primeiro passo oficial, aos 20 anos de idade, mostra que ela tem credenciais para isso.

(Fake It Flowers em uma faixa: “Charlie Brown”)

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ARTISTA: beabadoobee