Resenhas

Beautify Junkyards – The Beast Shouted Love

Banda portuguesa lança álbum autoral cheio de climas Folk e tons de saudade

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Ano: 2015
Selo: Nós Discos
# Faixas: 12
Estilos: Folk Alternativo, Folk Psicodélico , Chamber Folk
Duração: 41:27
Nota: 4.0
Produção: Major Tom

Bem vindo à dobra temporal na qual habita o grupo português Beautify Junkyards. Aqui, o tempo parece parado em algum momento da virada dos anos 1960 para os 1970, no auge da apropriação do cancioneiro e modus operandi Folk por novos e novíssimos artistas jovens da época. Era o novo revendo o velho, reinterpretando, acrescentando, refazendo, por fim criando algo típico desse tempo: o Folk Psicodélico. Enquanto o ramo que levou adiante o estilo nos Estados Unidos o mesclou com o Rock e fez nascer gigantes como The Byrds ou Grateful Dead, na Inglaterra a coisa ficou mais branda e introspectiva, com gente iluminada como Donovan, Nick Drake e Fairport Convencion. A música que vinha das mentes desse pessoal britânico era mais úmida, florestal, elemental e convidativa para viagens sem sair do lugar, se é que vocês me entendem. Historicamente influenciado por tudo que vem da Velha Ilha, Portugal também tem artistas capazes de revisitar esse tempo, porém, como no passado, acrescentando algo novo.

The Beast Shouted Love é o segundo álbum do quinteto lusitano e o primeiro em que seus integrantes oferecem material autoral. Com covers simpáticas no passado recente, com destaque especial para a assombrosa releitura de Fuga nº2, d’Os Mutantes, o BJ tem muito a oferecer. Em primeiro lugar, a voz maviosa de Rita Vian, capaz de soar como uma pequena e controlada força da natureza. A alternância dela com João Kyron, dá um belo contraste ao todo de canções, sempre buscando na tranquilidade idealizada e simbolizada por suas composições a paz e o conforto que podemos aspirar em termos dessa vida tão corrida. O instrumental é extremamente convincente, com violões infinitos e sutilíssimas intervenções de eletrônica e teclados que jogam a favor da massa sonora que emerge dos sulcos imaginários do álbum. Bom exemplo deste novo que parece velho está no primeiro single, Rainbow Garland, com teclados e guitarras totalmente 2015 enturmados no instrumental, indo e vindo no tempo. Sim, como o título da canção (e do próprio álbum) já entrega, o grupo canta em inglês perfeito mas, felizmente, não abre mão de usar o português em momentos especiais.

Pés Na Areia Na Terra Do Sol é um belíssimo exemplo de como o idioma de Camões pode ser colocado a serviço da beleza Folk europeia. Soma-se à essa busca de paz e tranquilidade vintage uma tradicionalíssima relação de amor e saudade que Portugal tem com o Oceano Atlântico. Sendo assim, além do verdejante nirvana que toma forma em vários momentos, há sempre um por de sol numa praia deserta, com gaivotas, barcos e saudade ao longe. É tudo muito bonito, creia. A canção, marítima por natureza, evoca essa paisagem com sons de pássaros e quebrar de ondas na praia. Lake, a faixa seguinte, é mais como uma entrada pelo território que fica depois da faixa de areia, rumo a algum bosque. As vozes dançam entrelaçadas num belo efeito que pontua o dedilhado de violões e efeitos eletrônicos. Rite Of Passage, cinematográfica e arrepiante, com flautas e mais dedilhados, segue por esta ravina cheia de arbustos instrumentais surpreendentes.

Outro belo espécime desse Folk idílico surge na nickdrakiana Valley Of Wonders, com violão tocado à moda do tristonho bardo inglês e com uma performance emblemática da voz de Rita, compondo um cenário muito bonito e delicado. Longo Amanhã retoma o português e resgata a maritimidade da letra e do lamento, numa espécie de não-Fado, uma antítese dos elementos tradicionais deste ritmo, que surge despido e urbanizado para uma saudade de vidraça molhada por pingos da chuva que cai à tardinha. Refresco Electrico segue neste mesmo clima, porém mais moderna e com discretíssima influência de pitadas de Clube da Esquina. Technicolor Hexagon é o fecho psicodélico mas totalmente lusitana e retrô em seus timbres de teclado e ambiência sinfônica de amanhecer.

Este segundo álbum de Beautify Junkyard é de uma beleza impressionante, docemente acomodado num tempo próprio e cheio de convites para audições dedicadas e recompensadoras. Há um caldeirão de elementos musicais gentis e acolhedores, belamente trabalhados, interpretados e apropriados. Coisa muito, muito fina.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.