Resenhas

Beth Gibbons – Lives Outgrown

Em primeiro disco solo, a voz do Portishead chega com seu inconfundível timbre – e visão de mundo transformada pelo peso da sabedoria

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Ano: 2024
Selo: Domino Records
# Faixas: 10
Estilos: Folk, Chamber Pop
Duração: 45'
Produção: Beth Gibbons, James Ford, Lee Harris

Beth Gibbons é a voz a frente do incontornável Portishead, banda que não só ajudou a inventar e consagrar o trip hop, um dos gêneros musicais mais emblemáticos dos anos 1990, mas também, a partir dele, formulou uma visão estética e comportamental para a década. Lives Outgrown é uma das raras aparições da artista que, para além dos três álbuns do Portishead, deu as caras apenas aqui e ali ao longo dos últimos 30 anos. Em seu primeiro trabalho solo, Gibbons ainda entoa o mesmo timbre de voz, mas a perspectiva de sua visão de mundo é inteiramente diferente.

Como o próprio nome do álbum dá a entender, Lives Outgrown – “Vidas Superadas” em uma tradução possível – é um daqueles trabalhos que realizam um panorama do passado para atestar alguma sabedoria a partir daí. Seja em relação à própria vida ou à sua trajetória como musicista em si, Beth Gibbons olha para trás e elenca mais perguntas do que respostas em favor de uma sensação difusa de que estamos vivendo algum tipo de encerramento: do mundo, do capitalismo – e assim por diante.

Fazendo backing vocal para si mesma e evocando assim uma presença fantasmagórica, Gibbons abre o álbum com “Tell Me Who You Are Today”, como se encarasse um doppelganger, convidando-o para um dueto. Em geral, o clima é acústico, e as parcerias com os amigos de Simian Mobile Disco (James Ford, o produtor) e Talk Talk (Lee Harris, na bateria) aparecem transmutadas de estilos sintéticos em timbres mais analógicos, desde o saxofone até a percussão feita com utensílios de cozinha por exemplo.

uma referência a Pink Floyd na faixa “Lost Changes”, como se Lives Outgrown quisesse falar de sua formação musical em termos macroscópicos, exemplificando-a com um dos pilares fundamentais da música inglesa. Há também uma inclinação estética para a música eletrônica, do trip hop do Portishead até o clima difuso de Air – ouça a faixa “Floating on a Moment” que parece derivar de Talkie Walkie – e Massive Attack, que não aparece na prática, mas se expressa na atmosfera noturna, urbana e enevoada de contemplação que essas bandas constroem tão bem.

Para o lançamento, Gibbons escreveu um manifesto manuscrito no qual diz que a década que passou compondo Lives Outgrown reflete as suas preocupações mais íntimas: “meus 50 anos trouxeram um horizonte novo, porém mais antigo. Foi um momento de despedida de familiares, dos amigos e até de quem eu era antes, as letras refletindo minhas ansiedades e ruminações noturnas sem dormir. Não apenas pela maneira como passamos pelas transições emocionais ou psicológicas em nossas vidas, mas também por nos relacionarmos mais com o momento em que deixamos este planeta e com nosso movimento em direção ao desconhecido. Algo que temo, mas só preciso tentar comemorar enquanto o momento se aproxima, dando-me a capacidade de crescer além das restrições deste mundo físico”.

Lives Outgrown é um desses álbuns que chegam com um peso da sabedoria – de uma artista agora próxima dos 60 anos e que viveu e sobreviveu a muitas viradas de onda, experimentando muitas novidades e também muitas decepções com o mundo. Na capa do trabalho, ela aparece pensativa com suas diversas faces difusas, como se atravessasse o tempo. Em uma referência ao próprio passado, à música e à sociedade como um todo, Beth Gibbons transcreve as décadas da virada do século em formato musical.

(Lives Outgrown em uma faixa: “Floating on a Moment”)

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Autor:

é músico e escreve sobre arte