Resenhas

Beto Mejia – Wahyoob

Ex-Móveis Coloniais de Acaju faz belo disco solo sobre transformações pessoais

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Ano: 2016
Selo: Independente
# Faixas: 12
Estilos: Pós-MPB, Pop Alternativo, Rock Alternativo
Duração: 38:08
Nota: 4.0
Produção: Beto Mejía e Kelton Gomes

Um dos grandes – e bons – efeitos da modernidade na música é a premissa de derretimento das fronteiras entre os gêneros convencionais para classificarmos a música popular. Já disse isso em outros textos e resenhas aqui no Monkeybuzz e este é um sentimento que surge com mais frequência à medida que o tempo vai passando e a produção musical vai se tornando mais e mais independente dos velhos modelos da indústria. Sabemos que esta, em conluio com a grande mídia, ainda produz modismos e música de péssima qualidade, geralmente imposta discretamente ao público, mas até isso está mudando. De qualquer forma, o que nos importa aqui é analisar este bom trabalho do flautista de Móveis Coloniais de Acajú, Beto Mejia. Segundo o release, Wahyoob é o nome de um conceito Maia, povo que habitava a América Central antes da chegada dos espanhóis, no qual todo ser humano, lá no fundo, possui parte de sua energia psíquica formada por energia animal.

Este misticismo é o pano de fundo para o álbum, não de uma forma aloprada, mas que exala sinceridade, ao mesmo tempo em que valoriza as raízes de sua banda e mostra suas facetas como artista solo. Tem romance por todos os cantos, amor pela filha, pela família, pela vida, com uma felicidade sincera e saltitante. A produção, de Mejia e Kelton Gomes, confere uma cara moderna e totalmente sintonizada com as boas produções nacionais da atualidade, que, por sua vez, não deixam nada a dever ao que se faz por aí, com guitarras, teclados, bateria e eletrônica a favor da melodia, da boa letra, mantendo a tradição de sempre e pisando num futuro que já chegou e democratizou a forma de fazer, gravar e divulgar a música. Claro, há contratempos e problemas de toda ordem, mas Wahyoob faz a gente pensar que é tudo lindão e que, se as coisas ainda não deram certo, é porque o fim está longe de chegar. É um disco otimista.

Há faixas realmente interessantes por aqui. Beto exibe talento como vocalista e compositor, especialmente nas músicas que escapam bastante do que Móveis costumava fazer. Bom exemplo disso é a fluência Pop que Eu Cruzei O Seu Caminho exibe. Baladão pianístico, com vocais emocionados, lembra muito o melhor da produção de gente graúda como Guilherme Arantes, porém, com inegável sabor 2016, além de ter o belo verso “eu cruzei o seu caminho pra ninguém te derrubar”, que exalta o clima afetuoso presente no álbum. A faixa seguinte, Odoya, é o extremo oposto da moeda. Com mistura cosmopolita/universal e título que é a saudação a Iemanjá, a canção tem teclados, percussão étnica, efeitos e uma desenvoltura grande, mesmo quando muda ainda mais e encarna um misto de guitarra baiana e carnaval de rua, tudo amarrado e fazendo total sentido.

Outro bom exemplo de tradição e presente/futuro unificados é a faixa Bubna. Novamente teclados protagonizam, mas cedem espaço para guitarras e efeitos, com momentos mais intensos e uma letra surrealista que cai bem. Dimunutivo parece uma canção de Caetano Veloso, com levada que tangencia ritmos baianos e se caracteriza pela leveza do andamento e boas guitarras. Metais pontuam Eu Me Perdi, uma boa concessão ao Móveis, mas que não lembra as criações da banda, apenas se apropriando de algo mais climático. Também há alguma influência de Caê por aqui, mas de sua persona mais recente, a partir da colaboração com a Banda Cê. Fiz Um Feitiço tem DNA de Los Hermanos, mas escapa da mesmice de fazer Beto soar como um clone da banda carioca, investindo numa batida rápida e dançante, que entrecorta o andamento de vez em quando, com efeito reconfortante e oportuno. Sopra No Ar é enguitarrada na medida certa, Uhuuu, com participação de André Whoong, Gustavo Bertoni (Scalene), também tem levada animada, remetendo, aí sim, diretamente à sonoridade da antiga banda de Mejia. Amora, dedicada à filha, é uma canção de ninar intensa e bela, como só os pais e mães devem ser capazes de fazer. Ela abre o caminho para Minerador, outra pungente balada, que encerra o disco com chave de ouro. Desta participa Victor Meira (Bratislava) nos vocais.

Como se não bastasse o alto nível das composições e da execução, Wahyoob ainda tem uma consciência social muito louvável. Beto Mejia colocou o disco para download em seu site (www.betomejia.com.br), conclamando os interessados a doarem qualquer quantia pelo álbum. Deste valor, decidido pelo ouvinte, 70% serão destinados a duas ONGs, a saber, Desabafo Social e Santuário Terra dos Bichos. É uma ótima maneira de ter acesso a um belo trabalho e ainda contribuir com formas alternativas de representação, que são, se tudo der certo, o futuro do mundo. Bela pedida.

(Wahyoob em uma música: Eu Cruzei O Seu Caminho)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.