Resenhas

Bface – Egoritmos

Com 10 anos de carreira, MC curitibano se debruça sobre a influência dos algoritmos no Rap independente nacional

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Ano: 2021
Selo: Suite Music
# Faixas: 12
Estilos: Rap
Duração: 23'
Produção: Bface, Jxtacincx e EricBeatz

Produzir Rap de maneira independente por 10 anos no Brasil é tenso. “Tenso, tipo ser preto no Sul”. Completando uma década de música, o beatmaker e produtor Bface lança o disco Egoritmos, terceiro trabalho de estúdio da carreira. Além de produzir majoritariamente o projeto, o curitibano assina a direção de arte da capa. Independência, indústria musical e raça – já que por vezes até os algoritmos são racistas – são os pilares que sustentam o novo trabalho do MC.

Seguindo o trocadilho que o título sugere, o da combinação das palavras “ego” e “algoritmo” – desde os números de visualizações no YouTube até a abordagem policial –, são raras as faixas que não cobrem um dos temas ou especialmente a relação entre ambos. A escolha por essa perspectiva explora a realidade de muitos artistas independentes (e neste caso, também negros) nos dias de hoje, mas a lírica não se dá exatamente de maneira imersiva e intensa. São ímpetos momentâneos, takes que deixam o assunto no ar.

Após o instrumental de “Acorde”, faixa que abre o disco, Bface sem mais delongas entrega o cartão de visita. “Achei mais louco vir de Oüs do que de Nike / E foda-se o kit e a mistura da Sprite / Estão passando muito pano nesse site / Eles merecem patrocínio da Scotch-Brite”. Rimas como essa são como a identidade de um rapper. Em apenas quatro linhas, ele diz de que época vem, quais seus valores e o que pensa da atual indústria musical do Rap. Para não haver o risco de algumas dessas alfinetadas na nova geração soarem meio “boomer”, em “Vilanias”, segunda parte do single duplo com “Mercúrio”, o artista aborda o assunto de maneira mais profunda. O MC escreveu a faixa no início de 2020, num momento em que, segundo ele, “o debate no Rap nacional girava em torno da veracidade dos fatos cantados pelos jovens trappers ou do Funk”. Aqui, o poder de síntese de Bface entra novamente em ação: “Tamo no topo do declínio / Digerindo a nova do palhaço / Com um MC no intestino”. O jogo de palavras, ao manipular o ditado popular “ter o rei na barriga”, ainda colocando determinados rappers como palhaços (que teriam um MC no intestino), é sagaz e potente. Uma análise condensada a respeito da aparente futilidade na briga pelo “topo” – apontando, inclusive, uma saturação do termo.

Bface produz todas as faixas do trabalho, com exceção de “Jetpack”, “Devaneio em Sol” e “Torrents”, assinadas por Jxtacincx, Jxtacincx e Bface, e EricBeatz, respectivamente. As batidas navegam entre um boom bap minimalista – vide “Devaneio em Sol”, com participação, de Tuyo – e um teor mais experimental, uma união entre “Itamar [Assumpção] e Madlib”, como a letra anuncia, por exemplo, em “Enganando o Detetive”. O flow eficiente de Bface permite que ele passeie entre essas pequenas mudanças sonoras com bastante tranquilidade, em bases fluídas, o que promove uma audição muito mais dinâmicas.

O tempo de caminhada traz maturidade e, ao mesmo tempo, inevitavelmente se criam armadilhas internas. Bface, com cerca de uma década de carreira, parece plenamente seguro de sua arte, mas isso não significa que incertezas e frustrações, desencadeadas pela ditadura dos algoritmos, não estejam sempre à espreita. Seu terceiro disco soa como protesto e igualmente como aprendizado das lições que podem levá-lo ainda mais longe, independentemente de isso significar combater ou satisfazer os algoritmos.

(Egoritmos em uma faixa: “Mercúrio”)

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ARTISTA: Bface