Resenhas

Björk – Post

Mais coeso do que sua estreia, “Post” é um disco que, apesar de intimista, agrega diferentes gêneros com clareza e afirma para o mundo a relevância da mente criativa de Björk

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Ano: 1995
Selo: One Little Indian e Elektra Records
# Faixas: 10
Estilos: Pop, Trip-hop e Eletrônica
Duração: 46’
Nota: 4.5

Post (1995) é o segundo álbum de Björk e um de seus trabalhos mais complexos e geniais. Ele forma quase uma tríade com seus discos subsequentes, Homogenic (1997) e Vespertine (2001). Além de ser mais coeso que o anterior Debut (1993), o LP em questão combina diferentes possibilidades sonoras: Techno, Industrial, Trip-Hop, House, IDM, Jazz, Ambient e Avant-Garde são algumas das tags inclusas nesse caldeirão de referências. É uma colcha de retalhos que, no fim das contas, compõe um disco íntimo e que, pouco depois, já seria reconhecido como um dos melhores do ano.

De lá para cá, Post transcendeu a lista do Top 10 de 1995 para entrar no ranking dos mais importantes da década. E mais, ele também figura como um dos melhores álbuns de todos os tempos para veículos renomados como Rolling Stone e Consequence of Sound. Os louros acumulados são muitos, mas, por aqui, vamos tentar explicar as razões pelas quais o LP chegou nesse patamar.

Para contextualização, vale lembrar que, em 1995, o Trip-hop já estava bem consolidado dentro do cenário da música alternativa. Os discos de Portishead e Tricky abriram o caminho e, posteriormente, tornaram-se “bíblias” do gênero. Björk, nessa época, seguia morando em Londres e tinha acabado de engatar um namoro com Tricky. Por aí, já dá para imaginar o envolvimento da cantora com o Trip-Hop. No entanto, a vertente não resume o que existe dentro de Post. Em contraposição a tudo isso, a islandesa também estava se divertindo no mundo clubber e, não à toa, esse universo também aflora no álbum.

E não podemos esquecer que o Jazz – fundamental para Debut – continua em Post. Há explorações vocais complexas que ajudam a cantora a permanecer ao lado de grandes potências do ritmo. Para entender a influência da voz de Björk neste disco, proponho um exercício: imagine o que seriam dessas músicas sem ela. Nessa circunstância, cada faixa se transformaria em um emaranhado sonoro: elas são construídas com múltiplos instrumentos e poderiam, de certa forma, compor um LP totalmente experimental. “Enjoy”, por exemplo, viraria um eletrônico pesadão do tipo “fim de festa”. Ou seja, o efeito da voz da islandesa aqui é o de dar contornos Pop a tudo.

É por isso que alguns jornalistas gostam de classificar Post como Art Pop ou Avant Pop, em face da complexidade desse trabalho. Mais importante do que as categorizações, contudo, são as músicas, é claro. E Post está repleto de faixas fundamentais para entender Björk. “Hyperballad”, “Army of Me”, “Isobel”, “Possibly Maybe” e “It’s Oh So Quiet”, são algumas delas. A última é, na verdade, é um cover da cantora e atriz de musicais Betty Hutton que, no disco, aparece gravada com uma big band de Jazz. O efeito final é quase Camp, ainda mais depois do clipe de Spike Jonze. A probabilidade da track se tornar um hit não era grande, mas, curiosamente, vendeu mais de 400 mil cópias só no Reino Unido.

“Isobel”, por sua vez, é um link de Björk com o Brasil: a faixa é dedicada à Elis Regina – cantora de quem a islandesa é muito fã e que estava ouvindo muito à época. É uma espécie de cantiga mística, como se tivesse vindo de um universo paralelo de aceitação e amor. A personagem principal, aqui, é a representação da dualidade entre a razão e a emoção. Em explicação da própria Björk: “um conto mágico” – algo próximo da realidade fantástica de um autor como Gabriel García Marquez. “Isobel” é uma forte conexão da artista com influências e cenários latinos, e mesmo assim, passa longe de estereótipos ao vir acompanhada por um clipe misterioso e quase sombrio – criado por seu parceiro de trabalho, o Michel Gondry.

Outra parceria com o diretor francês acontece no clipe de “Army of Me”. Nele, diamantes, gorilas antropomorfizados em dentistas e Björk dirigindo em direção a um museu com explosivos entram em cena. O vídeo foi exibido à exaustão na MTV e, ainda assim, soa como algum anagrama incompreensível. Já a ótima “Miss You” ganhou um clipe de animação nas mãos de John Kricfalusi, criador de The Ren & Stimpy Show, um dos desenhos mais malucos da Nickelodeon nos anos 1990. 100% freak, o vídeo tem também algo de fofo em contraposição a alguns elementos bastante sexuais. Por isso, alguns trechos foram até editados para exibição na TV norte-americana.

“Possibly Maybe” é a canção de coração partido do álbum, feita após o fim do relacionamento de Björk com o francês Stéphane Sednaoui, que, por sua vez, dirigiu o coloridíssimo clipe da faixa. Vale a pena ouvir com atenção cada um de seus versos: escondem-se neles os estágios da dor desse término e os detalhes são extremamente sutis. O momento em que ela voltar a usar batom, por exemplo, é um deles.

No todo, certamente “Hyperballad” é a música símbolo deste disco. Trata-se de uma canção de amor encoberta: são mil camadas e sonoridades que, em conjunto, representam bem o cerne dessa fase de Björk. Nesse momento, todas as suas construções sonoras e suas experimentações musicais se dedicavam, essencialmente, a encontrar o que há de humano e de belo no amor, na intensidade do sentir. A força da combinação letra com o crescer e decrescer das batidas são simplesmente uma aula de como se fazer música Pop para além do senso comum.

Outro aspecto icônico deste disco é a capa. Ali, Björk usa o seu “vestido-envelope” em frente a um fundo colorido, remetendo às cores do Japão em foto, também, de Stéphane Sednaoui. A roupa escolhida pela cantora realmente foi feita em papel pelo estilista turco Hussein Chalayan, conhecido por este tipo de invencionice. Uma vez que a cantora entendia que essas canções do disco eram como pequenas cartas aos seus amigos e familiares na Islândia, nada mais simbólico do que uma roupa de papel. O álbum, aliás, também ganhou uma segunda versão, com remixes, chamada Telegram (1997), incluindo uma versão do brasileiro Eumir Deodato para a faixa “Isobel”.

Os créditos de Post trazem o nome de Björk ao lado de muitos homens produtores e isso faz com que, muitas vezes, se atrele erroneamente a criatividade e as construções do disco a eles. Nellee Hooper e Howie B são sempre vistos como os responsáveis por trazer o Trip-hop para o disco e isso, claramente, não procede. Björk odeia que o trabalho dela seja, de alguma forma, diminuído por essas parcerias. Há alguns anos, quando se deu sua recente associação com a artista Arca, comentou o quanto é difícil ser respeitada enquanto mulher na música e como as pessoas não compreendem que ela é a dona de seus trabalhos e de toda a complexidade sonora que há neles. Óbvio que todos esses homens são produtores fundamentais para a elaboração de diferentes fases da cantora, mas é dela a palavra final. É ela que conseguiu dar vida a uma obra tão profunda e intensa como esse disco: as canções são todas extremamente íntimas e pessoais, não teria como ter sido de outra forma. E é daí que vem a sua excelência.

(Post em uma música: Hyperballad)

 

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ARTISTA: Björk
MARCADORES: Eletrônico, Pop, Trip Hop

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