Resenhas

Blur – The Magic Whip

Novo álbum traz evolução e recoloca banda entre os grandes da música Pop mundial

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Ano: 2015
Selo: Parlophone
# Faixas: 12
Estilos: Pop Alternativo, Rock Alternativo, Eletrônico
Duração: 51:43
Nota: 4.0
Produção: Stephen Street

A exemplo de formações clássicas do Rock Britânico, como The Rolling Stones, Oasis e The Smiths, Blur tem dois cérebros. Em momentos positivos, eles se comunicam, se entendem, se completam. Quando a vaca vai para o proverbial brejo, praticamente tornam-se inimigos. Damon Albarn e Graham Coxon são as mentes por trás da banda, os sujeitos responsáveis pela liga sonora cativante erguida no início da década de 1990 e que, 25 anos depois, ainda dá frutos e alegrias. The Magic Whip é isso, uma alegria para fãs do quarteto de Essex mas, sobretudo, confirma o crescimento de Albarn como músico. Se antes Blur era um cronista dos tiques e taques do britânico médio, agora ele se arvora a ser um observador do habitante do planeta em 2015.

Os limites do Reino Unido foram ultrapassados por Albarn lá em 2000, com Blur ainda na ativa, quando fundou Gorillaz. O projeto paralelo acenava com um número impressionante de possibilidades sonoras e estéticas. Fica difícil encarar os limites de um grupo de Rock após tanta liberdade. Tal passo custou, inclusive, a sobrevivência de Blur e a amizade de Coxon, que não participou das gravações de Think Tank, antecessor deste novo trabalho. Hoje, feridas curadas e afeição reestabelecida, é inegável notar o quanto de Gorillaz está presente em The Magic Whip, a começar pelo aceno simpático à ponte Oriente-Ocidente, algo que sempre existiu no grupo virtual de Albarn e que chega na forma de caracteres chineses na capa e no próprio processo de gravação, ocorrido inicialmente em Hong Kong no fim de 2013. Mais que isso: há um clima de diário de bordo ao longo do disco, parece que vemos as impressões de um viajante ao regressar para casa, modificado, mais maduro, menos auto-indulgente. Tudo isso é bem legal.

Musicalmente falando, o disco não ousa para padrões contemporâneos, mas é um enorme passo em termos de álbuns de Blur. Há Eletrônica de sobra, guitarras espertas e nerdificadas de Coxon por todos os cantos, a eficiência de Dave Rowntree e Alex James na cozinha e o triunfo de Albarn em todos os momentos possíveis. É um álbum grandioso disfarçado de pequeno e casual. Essa impressão foi confirmada com a chegada do primeiro single, Go Out, que trazia bastante da estética bluriana dos anos 1990, mas parecia meio sem graça. A chegada de There Are Too Many Of Us, no entanto, mostrou que havia algo novo ali, uma verve setentista apocalíptica, meio estranha, meio genial e, em seguida, a faixa de abertura, Lonesome Street mais noventista ainda, mostrou que Albarn e seus amigos não vinham presos a amarras e pretendiam avançar sem, no entanto, esquecer de onde vieram.

De fato, as canções “diferentes” do cânon da banda são o mais legal em The Magic Whip. Ice Cream Man, por exemplo, tem teclados e batida hip-hopesca deslavada, mas desemboca numa levada cadenciada e harmoniosa, deixando a eletrônica num papel elegantemente secundário. Thought I Was A Spaceman poderia estar num disco de Gorillaz, especialmente nos mais recentes, com seu clima de desolação urbana, de caos silencioso em meio a devaneios de terça-feira à tarde que vai evoluindo numa levada aerodinâmica e cheia de viradas de bateria em meio a teclados oitentistas. I Broadcast também é legal e rápida, harmonizando bem as batidas britpopescas remanescentes com sonorizações sintéticas, mas poderia estar numa lista de lados-B de clássicos como Parklife. Ong Ong também olha para o passado mas soa – intencionalmente? – como uma canção de fim de festa, com todo mundo já meio cansado e sem paciência. Em My Terracota Heart está uma bela declaração de amor entre amigos, uma reflexão sobre as idas e vindas das relações, aplicada à parceria entre Damon e Graham. A grande faixa do disco, no entanto, é a impressionante Ghost Ship, com algo de balada AOR em midtempo, cheia de chacunduns de guitarra, inéditos na obra da banda, urdidos por Coxon como se fosse um músico de estúdio na Los Angeles dos anos 1970.

Blur evoluiu, aumentou seu espectro, mas manteve intacto o que era importante. A presença do produtor Stephen Street – parceiro nos melhores e mais importantes momentos da carreira – comprova que o quarteto quer mostrar como é hoje, em 2015. Seria chato ouvir um disco que mostrasse o que Albarn e Coxon não são mais, dois moleques ingleses tirando sarro com as idiossincrasias dos caras que vêm indo e vindo no metrô todos os dias. Este novo trabalho é ambicioso, milimetricamente pensado e preparado para conquistar velhos fãs, admiradores de Gorillaz e interessados por música como algo que descreve a época em que é feita. Maravilha.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.