Resenhas

Bob Dylan – Fallen Angels

Músico segue explorando sua veia de intérprete do grande Pop americano

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Ano: 2016
Selo: Columbia
# Faixas: 12
Estilos: Rock, Folk, Blues
Duração: 37:53
Nota: 4.0
Produção: Jack Frost

Fallen Angels e seu antecessor, Shadows In The Night, são álbuns gêmeos. Neles, nosso amigo Bob Dylan, um dos maiores mitos do século 20, faz, em pleno século 21, uma releitura de canções típicas do que se convencionou chamar de Great American Songbook, ou seja, o cancioneiro popular americano pré-Rock. São canções originárias dos anos 1930 até os 1950, compostas para teatro, cinema ou mesmo visando as paradas de sucesso, que embalaram a vida dos americanos do norte em momento crucial de sua história, especialmente a Segunda Guerra Mundial e os períodos anterior e posterior a ela, decisivos para a própria afirmação do país como potência mundial – algo que só passou a ser justamente após o conflito.

Dylan, para quem não sabe, é um estudioso espontâneo da canção americana, não só desta fonte, mas do Blues e do Folk, sendo estes pilares os constituintes de sua obra. Claro, ele sempre foi um contador de histórias ao longo de sua carreira de mais de 50 anos, mas tais canções e tais referências nunca o abandonaram. Aficionados por sua figura hão de lembrar dos sensacionais episódios de seu programa radiofônico na Sirius XM Satellite Radio, o Theme Time Radio Hour, onde, por alguns anos, Dylan ofereceu seu conhecimento musical ao eleger temas centrais por episódio e coletar músicas que se referissem a ele. Coisas como Chuva, Amor, Casa, Morte, temas bem genéricos. À medida em que ia mostrando as músicas escolhidas, o velhote ia falando da importância delas para ele, numa conversa ao pé do ouvindo maravilhosa. (recomendo caçar os programas na Internet, é possível ouví-los)

Não espanta, portanto, que Bob Dylan queira avançar neste seu lado de crooner, emprestando seus anos na estrada na revisita de canções tradicionais e conhecidas na voz de intérpretes como Frank Sinatra ou Tony Bennett. Dylan oferece sua persona e se permite interpretar tais composições a seu jeito, num ato de audácia notável para um senhor de 75 anos, mas não tanto se levarmos em conta que ele é Bob Dylan, ninguém mais. Com produção na medida, assinada por seu alterego Jack Frost, secundado por sua banda cheia de raposas da estrada, o velho consegue sair-se tão bem quanto se apresentasse um álbum de canções inéditas. O fato é que Bob conseguiu encontrar um jeito para cantar, algo que o fez abandonar seu timbre fanho e anasalado e abraçar uma persona sofrida, blueseira e decadente, com cara de fim de noite no boteco da esquina.

Ao contrário do álbum anterior, Dylan não procurou apresentar canções obscuras, pelo contrário. Abraçou clássicos como Young At Heart, All Or Nothing At All, All The Way ou Come Rain Or Come Shine, não por coincidência interpretações laureadas de Sinatra, e as refez sem qualquer pudor. Acrescentou seu acento Blues, ostentou sua idade, lembrou de seu passado contestador e ressignificou a maioria das composições com sua abordagem estradeira/decadente intencional. Mesmo que alguns puristas insistam em reclamar de suas intenções, o álbum é uma delícia até para não-fãs de sua obra. Sinatra e Dylan são dois lados da mesma moeda de dólar. Dylan adquiriu ao longo dos anos o direito de ser quem ele quiser e deixar para o público a tarefa de entender e compreender, sempre restando aquela amarga impressão de sempre faltar algo.

No fundo, no silêncio mal iluminado do estúdio, ele sorri com o canto da boca. Em quase 38 minutos, Fallen Angels tem o poder de nos desconectar do cotidiano – algo bem recomendável em termos de Brasil atual – e nos colocar numa dimensão atemporal, imersos na tal América mitológica, seu combustível essencial. Vale a viagem.

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BOM PARA QUEM OUVE: Joni Mitchell, Nick Drake, Neil Young
ARTISTA: Bob Dylan
MARCADORES: Blues, Folk, Rock

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.