Resenhas

Bonobo – Fragments

Mesmo mais introspectivo e “solitário”, novo trabalho de Simon Green mantém a natureza eclética que caracteriza a obra do produtor

Loading

Ano: 2022
Selo: Ninja Tune
# Faixas: 12
Estilos: Eletrônica, Lounge, R&B
Duração: 51'
Produção: Simon Green

Há algo muito particular e, ainda assim, coletivo na construção da sonoridade do produtor inglês Simon Green – mais conhecido pelo seu projeto Bonobo. Seus sentimentos e percepções internas têm tanta importância na construção de sua estética, como os eventos que o circundam – uma espécie de livre trânsito de criatividade na qual Bonobo é o curador e condutor dessas diferentes forças. Com protagonistas em constante mescla, sua produção, de mais de 20 anos, é camaleônica.

Do tímido lo-fi-lounge-estranhão em seu disco de estreia Animal Magic (2000), até as ambiciosas colagens sonoras experimentais de seus últimos trabalhos – em especial, Migration, de 2017 – os sons de Bonobo raramente são os mesmos. Agora, Simon se depara com a pandemia e seus reflexos, traduzindo o caos em música – mas Fragments não é exatamente um “disco de pandemia”. Seu novo trabalho dá forma a uma ironia presente neste novo contexto e mencionada em entrevista para Billboard: o excesso de tempo livre e a falta de assunto.

Parte do processo de composição de Simon vem da íntima relação que tem com seu público. Durante suas apresentações, ele faz uma espécie de teste com faixas novas, para compreender como ela está sendo recebida. Assim, com uma restrição massiva das festas durante a pandemia, este foi um processo que teve de ser revisto – tendo um reflexo direto no trabalho final. A impressão que dá é que a falta de um feedback do público deu a Bonobo um peso maior com relação ao seu instinto natural de não se pautar por apenas um gênero. Dessa forma, o trabalho ter o nome de Fragments diz respeito à natureza plural de suas criações, não só como um disco eclético, mas de faixas que se movimentam livremente pelas denominações. O mesmo produtor de trabalhos mais centrados ainda está presente, porém a grande transformação expressa no disco é a de um produtor menos preocupado em “fazer sentido” para outras pessoas. Esta falta de urgência se consolida em 12 faixas, cada qual com um apelo único, mas que também funciona de forma coesa dentro do contexto geral. O conceito parece ser a própria não-permanência de Bonobo.

Mantendo o preciosismo com o ambiente construído e a forma como isso chega ao ouvinte, Simon escolhe como faixa de abertura “Polyghost”, um prólogo que diminui as luzes do mundo externo e acende os holofotes internos de Bonobo. “Rosewood”, por sua vez, se aproxima da club music e os clássicos cortes de samples vocais antigos que imprimem uma aura meio fantasmagórica, meio contemporânea. Com participação de Jamila Woods, “Tides” (marés) se apropria do movimento dos mares como norteador de uma batida tranquila e misteriosa – repleta de pads amplos e arranjos de cordas emocionantes. Aliás, o preciso encontro entre digital e acústico próprio de Bonobo se mantém constante neste trabalho – um ótimo representante é a dançante “Age of Phase” e “Counterpart”. “From You” é mais tímida e esquisitona, ainda mais considerando a participação especial de Joji, fenômeno da cultura sad boy do final dos anos 2010. O epílogo do trabalho fica por conta da finíssima Day by Day, flerte com o R&B dos anos 90, mas remodelado à la Bonobo.

Apesar de não ser definido por Simon como um disco de pandemia, Fragments cumpre este papel de refúgio justamente porque muda a perspectiva clássica de Bonobo. O mundo continua transformando-o, mas parece que a introspecção e percepção falam mais alto. Assim, os diferentes gêneros musicais e as respectivas misturas realizadas entre eles, abrigam os corações aflitos pela pandemia. Um disco sobre refugiar-se em si entre fragmentos de si mesmo.

(Fragments em uma faixa: “Day by Day”)

 

Loading

ARTISTA: Bonobo

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique