Resenhas

Bossacucanova – Our Kind Of Bossa

Remodelando a Bossa Nova em uma vertente mais eletrônica, novo disco do grupo é destaque

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Ano: 2014
Selo: Six Degrees
# Faixas: 11
Estilos: Eletrônica, Bossa Nova, MPB
Duração: 40:59min
Nota: 3.5
Produção: Bossacucanova

Bossacucanova já vai completar seu décimo-quinto aniversário e responde – sem qualquer sombra de dúvida – pela ala mais progressista e arejada da Bossa Nova. Com o tempo, o trio formado por Alexandre Moreira, DJ. Marcelinho e Marcio Menescal passou de um agregado revisionista à condição de genuino representante do estilo, algo pra lá de merecido. Num 2014 em que o mundo volta ainda mais sua atenção para o país, faz sentido que a música brasileira mais conhecida lá fora esteja representada e operante e, convenhamos, a Bossa Nova sempre cumpriu a missão de povoar o imaginário gringo de idílicas paisagens urbanas e selvagens, algo que o Brasil dos anos 1950 simbolizava e que hoje, mais de cinco décadas depois, ainda segue associado a toda essa visão de um país que, infelizmente, foi cancelado pela ditadura civil-militar. Mas isso é outra história. Our Kind Of Bossa é um pequeno e simpático desfile de boas canções, arranjos legais e uma aura bem interessante.

O disco inicia os trabalhos com uma bela recriação de Adeus América, canção de Haroldo Barbosa, que estava presente no primeiro disco gravado pelo lendário grupo vocal Os Cariocas, que participa da gravação. A boa voz de Wilson Simoninha dá a malandragem necessária à narrativa do malandro brasileiro que não resiste a um tempo muito longo na América de cima e retorna para cá. Deixa A Menina, canção suingada e tangente do samba, típica das primeiras lavras de Chico Buarque, também ressurge brejeira e sestrosa na voz de Maria Rita, turbinada pelas percussões “humanas” e robóticas engendradas por Da Lua e com o auxílio luxuoso do piano de David Feldman. Mesmo sem se livrar do estigma de recriar os tiques vocais de sua mãe, Maria Rita sai-se bem na empreitada. Balança (Não Pode Parar), composição da banda, surge com a aerodinâmica típica da fusão que Bossacucanova forjou no início da carreira, aquela mistura de Drum’n’Bass e melodia, com o belo vocal de Cris Delanno planando sobre metais e uma bela levada rítmica. A voz inconfundível de Elza Soares reina absoluta na recriação de A Pedida É Samba, famosa canção de Jair Amorim e Roberto Martins, interpretada por Isaura Garcia em 1961, na qual o ancestral ritmo é saudado. Destaque para as discretas intervenções jazzísticas do piano de Alexandre Moreira.

As nuances de fim de tarde, igualmente importantes na visão estética da própria Bossa Nova, surgem sublimes na recriação do standard joãogilberteano É Preciso Perdoar com a voz de veludo de Emílio Santiago e um invólucro sonoro de fazer inveja aos mais exigentes e tradicionais fãs do estilo, cheio de climas, com direito a uma discreta apoteose de cordas, candidata séria a melhor faixa do disco. Martinho da Vila surge inesperadamente no circuito, com a recriação de sua simpaticíssima Segure Tudo, duetando com Cris Delanno. A levada emula uma espécie de eletro-carimbó, com percussões e scratches, turbinada e dolente. A bela Ficar, parceria do grupo com o letrista Ronaldo Bastos traz a batida típica do estilo e ritmo oblíquo, com destaque para a bela voz de Marcela Mangabeira. Simoninha retorna para a revisão de Waldomiro Pena, canção da fase Som Livre de Jorge Ben, que servia de tema para a série global Plantão de Polícia. O clima da gravação é de Blaxploitation brasileira, mais pra Shaft que pra Tropa de Elite.

O samba clássico de Leci Brandão, Deixa Pra Lá, aparece com interpretação correta de Teresa Cristina, mas milhas além do original, apesar do esforço na recriação das ambiências sambísticas dos anos 70, muito diferentes do plástico musical que se estabeleceu a partir dos anos 90. Rio de Inspiração é de composição do grupo com Moska, que assume os vocais, mas não consegue escapar daquela ode utópica ao Rio, manjada e que sempre pode atrapalhar. O final poderia ser bem melhor se Tô Voltando (Paulo César Pinheiro e Maurício Tapajós), canção que simbolizava a volta dos exilados da ditadura civil-militar para casa, após décadas distantes do país. Interpretada em 1979 por Chico Buarque, a versão com Cris Delanno, Roberto Menescal e a participação do imperdoável Monobloco, sai do contexto original para não adquirir qualquer outro significado. Mesmo com este final aquém do nível do disco, Our Kind Of Bossa segue credenciando Bossacucanova a mais e mais audições e solidifica a presença da banda, por enquanto, mais no exterior que aqui, infelizmente.

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BOM PARA QUEM OUVE: Max de Castro, Opala, Bixiga 70
ARTISTA: Bossacucanova
MARCADORES: Bossa Nova, Eletrônica, MPB

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.