Resenhas

British Sea Power – Let the Dancers Inherit the Party

Banda britânica revisita os anos 1980 com classe e criatividade

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Ano: 2017
Selo: Caroline
# Faixas: 12
Estilos: Rock Alternativo, Indie Rock, Rock
Duração: 48:47
Nota: 4.5
Produção: Yan Scott Wilkinson

Senhoras e senhores, moças e rapazes, demais leitores, que disco. Confesso que nunca duvidei da capacidade de pessoas com tamanho bom gosto para escolher o nome de sua banda. Mesmo que nos oito álbuns anteriores, uma boa média para um grupo com quinze anos de carreira, British Sea Power apenas tenha apresentado provas incontestáveis de sua capacidade, os sujeitos nunca fizeram um álbum tão redondo e perfeitinho como este belo Let the Dancers Inherit the Party, que chega agora até os nossos ouvidos, cansados de guerra. Composto sob a égide do Brexit, a partir da estranheza desses nossos tempos, da espetacularização da vida privada e tudo mais, temas cabeludos e complexos, o álbum consegue soar mais conciso e objetivo que os trabalhos pregressos. Surge então a hábil e afiadíssima formação de Pós-Punk inglês tardio, um primo de segundo grau de gente como Echo And The Bunnymen ou Joy Division, com características próprias em quantidade suficiente para escapar de qualquer comparação que sugira falta de identidade. O BSP é de alto nível.

A diferença está, de fato, nas canções. O grupo deixou de lado as letras excêntricas, apostou em mensagens mais diretas, aparou qualquer indício de chantillys instrumentais e viagens autoindulgentes e mergulhou fundo na sonoridade litorânea oitentista, como deve ser: gelada, triste, bela, cinzenta, como a praia deserta e chuvosa para onde todos vamos quando estamos macambúzios e sorumbáticos, não necessariamente nesta ordem. Se enganam, porém, aqueles que pensarem numa sucessão de canções impregnadas de bundamolice e tristezinha white people problems, tão típica do terceiro milênio: a coisa aqui é séria e as melodias, arranjos e virtuosismo nos instrumentos pulam aos ouvidos, como se estivessem loucos pra chamar sua atenção. Obedeça, você não tem escolha.

Algumas faixas dão aquela impressão tão boa de já existirem em nossas mentes, algo que passa longe da falta de criatividade, pelo contrário. É o caso do single luminoso Bad Bohemian, que lembra loucamente aquela bela canção que os Coelhos de Liverpool jamais gravaram ou que The Cure esqueceu numa gaveta qualquer. Harmonia, refrão, entrelaces de guitarras, tudo flui facilmente e transporta o ouvinte para aquela Inglaterra mitológica, oitentista, de lançamentos de bandas novas pelos selos Rough Trade e Mute, programas de John Peel e paradas independentes da NME, mas com um verniz inegavelmente moderno e atual. É difícil de explicar, mas a audição da música certamente te levará para lá também. Outra canção que tem poderes de deslocamento no tempo/espaço é a ótima International Space Station, que soa como uma canção de The Killers deveria sempre soar: vibrante, sincera, com teclados conversando animadamente – sem se sobrepor – com guitarras e tudo mais.

Apesar do álbum oferecer um sem-número de belos riffs, linhas de baixo e ótimos trabalhos de bateria, duas canções ligeiramente distintas desta lógica surgem como pontos altos. Electrical Kittens é uma caminhada com ondas do mar beijando seus pés, uma belezura com climas e andamento em câmera lenta, com idas e vindas, além de letra falando da importância do rádio na apresentação de novas bandas e tudo mais. Alone Piano, lá no fim do álbum, é um ligeiro milagre de timbres, dedilhados e economia de acordes, quase soando minimalista para transmitir a sensação de solidão. Mas, no fim das contas, o prêmio de maior acerto vai para uma composição “convencional”, a impressionante Saint Jerome, justo a faixa com mais possibilidades dançantes do álbum, com um impressionante solo de guitarra em seu final, além de melodia perfeita e tudo o que você pode querer de uma canção de quatro minutos e meio de duração.

Provavelmente você não verá Let the Dancers Inherit the Party em listas de melhores álbuns do ano. Apesar de belo e exemplarmente composto/gravado e representar uma mudança significativa na carreira de British Sea Power, seu Rock climático e litorâneo oferece pouca novidade em termos estéticos, preferindo dar sua versão sincera do Pós-Punk oitentista a algum malabarismo estético vazio. Aqui há ótimas canções, não deixe passar.

(Let the Dancers Inherit the Party em uma música: Saint Jerome)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.